Alessandra Cerri
Tive o privilégio de conhecer o Japão. Visitei a capital, Tóquio, e as cidades de Kioto e Osaka. Já conheci outros países, mas acho que nenhum me impactou tanto quanto esse lugar. A forte impressão não se deu apenas pelos belíssimos templos e paisagens bem preservados, ou pelo reconhecido avanço tecnológico, visível em todos os detalhes. Embora eu tenha me surpreendido com essas coisas, o que me surpreendeu mesmo foi a civilidade e a educação dos japoneses. A preocupação genuína e o respeito com o próximo é o que os diferencia como povo.
Imagino que essa polidez e gentileza estejam diretamente ligadas à sua espiritualidade. Algo que não está necessariamente relacionado à religião. Mas que diz respeito à busca por um significado mais amplo da vida; conectado à compreensão de que estamos todos interligados, de que nossas atitudes interferem na vida de outros e à busca constante pela evolução existencial.
Nesse contexto, David Tacey comenta que a espiritualidade deve ser entendida como uma conexão, um sentir-se unido a uma totalidade maior que transcende o ego e o individualismo.
Por esse motivo, em minha opinião, o povo japonês valoriza profundamente seus ancestrais. Eles expressam sua espiritualidade a partir do entendimento da importância de se fazer o melhor e de se buscar a atitude correta diante das situações diárias. Os estrangeiros percebem esse modo de agir na cordialidade com que são tratados em todos os lugares: nas filas naturalmente organizadas no metrô em pleno horário de pico (não existe correria, empurrões ou gritaria) ou no silêncio dentro dos metrôs, trens (os celulares ficam no modo silencioso, o que proporciona uma incrível sensação de paz). Também reparam na inacreditável limpeza de todos os lugares públicos (até mesmo dos banheiros).
Como brasileira, senti a enorme distância entre os países. Mas infelizmente tal afastamento não é visível apenas na posição geográfica. É triste a imaturidade evolutiva em que nós brasileiros nos encontramos. Está no inerente senso de oportunismo, de “tirar vantagem”, que por tantas vezes fica evidente em nosso país, seja nos vários níveis de corrupção, no trânsito, nas variadas formas de se tentar burlar a lei, na falta de respeito com que tratamos os mais velhos etc.
Esse distanciamento fica evidente na falta de consciência que nós temos do outro, da ausência da percepção de que tudo o que fazemos impacta direta ou indiretamente na vida do outro. Neste mundo acelerado, exteriorizado e individualista em que estamos vivendo, pessoas que têm o entendimento e a compaixão com o outro são diferenciadas e normalmente possuem uma preocupação com o autoaprimoramento espiritual e moral.
A espiritualidade exercida no Japão produz também um impacto direto no bem-estar dessa população, que está entre as mais saudáveis do mundo e figura como a principal dentro de um dos maiores estudos em longevidade, denominado Blue Zones.
Brigitte Dorst, analisando os trabalhos de Jung sobre espiritualidade e transcendência, comenta que a ciência tem encontrado evidências muito fortes sobre a relação entre a espiritualidade e a saúde em indicadores, como a diminuição de estresse, melhora da expectativa de vida, redução de doenças cardíacas e circulatórias e do incremento de bem-estar.
Precisamos exercitar nossa espiritualidade para termos uma maior consciência de nós mesmos, do outro e da existência de algo maior, que nos dê um propósito de busca pelo sentido de vida, um caminho para sermos melhores, mais civilizados e preocupados em deixar bons legados.
Precisamos trabalhar o nosso olhar “para dentro”, aceitar nossas fragilidades, reconhecer (com humildade) nossas forças, refletir sobre as possíveis melhoras em nossa trajetória e valorizar a presença e o cuidar do próximo.
Finalizo o texto com uma frase de Mahatama Gandhi: “A única revolução possível é dentro de nós”.
Até a próxima! Namastê!
Alessandra Cerri, sócia-diretora do Centro de Longevidade e Atualização de Piracicaba (CLAP), mestre em Educação Física, pós-graduada em Neurociência e em Psicossomática