Gustavo Ribeiro
Analisemos a seguinte situação: certa pessoa está presa, consegue um alvará de soltura e seu advogado vai entregar referido documento em mãos na unidade prisional para que a pessoa seja liberada. Entretanto, em que pese o documento oficial, assinado por um juiz, não é aceito pelo responsável pela liberação. Para tal, de acordo com a autoridade, um e-mail deve ser encaminhado, pra confirmar a idoneidade de uma decisão judicial. E este e-mail, leva dois dias para chegar até o local. Enquanto isso, apesar da ordem judicial determinando A IMEDIATA SOLTURA, a liberdade somente ocorrerá com a vinda deste email.
A situação acima é um típico exemplo da burocracia digital que se vê instalada atualmente no Estado e, principalmente no Poder Judiciário. Por mais surreal que possa parecer, o fato acima é verídico, ocorreu na comarca de São Pedro.
Vemos também que referido fato é um claro exemplo do mau uso da tecnologia. Antigamente, o envio de uma carta levava dias. A remessa de um documento entre países, se dava por navio, ou aviões, vez que, tal documento deveria ser fisicamente entregue e não havia meios digitais para o encaminhamento.
Sucede que, a tecnologia vem, mas maus hábitos se mantém. Atualmente, o Poder Judiciário investe milhões em infraestrutura para digitalização do enorme acervo de processos. Apesar disso, os serventuários, agentes, delegados, magistrados, enfim, operadores do direito que utilizam do sistema, insistem em fazer mau uso da tecnologia que tem a disposição.
A assinatura digital de documentos do Poder Judiciário, nada difere de uma assinatura física. Pelo contrário, há mecanismos de segurança que conferem a tal documento uma veracidade, tais como tokens e certificados digitais, bem como sistemas que permitem, rapidamente, a apuração da veracidade do documento. Todos esses mecanismos são muito superiores ao e-mail no quesito segurança, ferramenta ainda muito utilizada em nosso mundo digital, mas com um padrão de segurança pífio, facilmente burlável.
E ainda assim, incrivelmente, é esse mecanismo que é adotado em nosso ordenamento jurídico, para atestar a veracidade de um documento assinado digitalmente.
Via de regra, os documentos assinados digitalmente, tal qual a decisão judicial aqui mencionada, contém, ao final, um link de acesso, com uma chave digital para atestar a sua veracidade.
O agente, ao receber tal documento, pode verificar sua autenticidade, em poucos segundos, conferindo-o no site do Tribunal competente. Referidos sites também possuem selos e certificados de segurança, que podem ser facilmente consultados através dos browsers de navegação. Geralmente, a autenticidade desses sites pode ser confirmada através da imagem de um cadeado fechado, que geralmente fica no topo superior esquerdo dos navegadores. Ao clicar em referido cadeado, é exibido um selo confirmando que referida página é segura.
Assim, vê-se que um email, o mecanismo adotado hoje para confirmação de alvarás de soltura, entre documentos, é o meio mais inseguro para confirmação do documento. Tanto pela facilidade de criação de um email falso, com uma máscara que lhe confere um viés de autentico, como pela interceptação de informações dentro das mensagens. Já os documentos oficiais assinados digitalmente são únicos, são criados e armazenados de forma segura.
Vale destacar que o artigo 425 do Código de Processo Civil Brasileiro permite que o advogado também ateste a veracidade de referido documento, sob sua responsabilidade pessoal.
Assim, ao advogado, defensor público ou outro profissional com poderes para tal, deve lhe ser conferida a boa-fé, na exibição de um documento assinado digitalmente, haja vista os diversos mecanismos que permitam, em pouco tempo, atestar a veracidade. Má-fé se comprova, e se houver algum indício de irregularidade, cabe a autoridade tomar as atitudes previstas em lei, mas sem presumir.
Com isso, busca-se usufruir da tecnologia como meio para, realmente, desburocratização da máquina estatal, e não um empecilho, com a mera burocratização digitalizada de atos.
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Gustavo Benitez Ribeiro, advogado, graduado em Direito e Ciência da Computação pela Unimep e pós-graduado em Direito Processual Cível pela Escola Paulista de Direito. Sócio Coordenador do Escritório Marianno & Benitez Advogados.