Adelino Francisco de Oliveira
A dinâmica do neoliberalismo segue um perverso fluxo, destruindo tradições, concepções de vida, rituais, experiências espirituais e místicas, referências religiosas. Sob o auspício do mercado, do consumo e do lucro como referências fundamentais, tudo se desfaz, se dissolve, se liquefaz.
A perspectiva materialista conduz (reduz) tudo à esfera do consumo, do lucro, do conforto, do imediato. A expressão mais utilizada é: negócios são negócios, amigos a parte. O importante é o quanto se ganha, suplantando todo e qualquer discernimento afetivo e ético, concebendo a vida e seus propósitos de maneira estreita, limitada, superficial.
Por trás de tudo isso, há uma evidente negação da dimensão da transcendência, como se tudo se esgotasse na materialidade. No entanto, tal postura pode conduzir ao embotamento existencial. Neste ponto, a abertura para a espiritualidade possibilita que o humano se lance em busca de experiências mais profundas e autênticas, a apontarem para o sentido pleno que a vida pode alcançar, que se coloca muito além do consumo e posse de mercadorias.
A mentalidade materialista neoliberal avança, galgando os espaços mais inusitados. Mesmo instituições que nasceram sob profunda vocação religiosa, já se perdem em meio à racionalidade mercadológica. O domínio, a rendição ao mercado acontece tanto no universo simbólico quanto na dimensão concreta, no campo das decisões duras, reais.
No âmbito das representações simbólicas há todo um jogo de linguagem, impondo, de maneira sutil, a rendição à lógica do que é meramente material, mercadológico. Expressões de marketing sugestionando o sucesso, a competição, o estar na frente, a ambição como valor evidenciam a perda de uma identidade que se supunha como perene, herdeira da mais legítima tradição espiritual. As palavras passam a explicitar a adesão a uma visão de mundo, sem relação alguma com a dimensão religiosa.
A linguagem pode denunciar e desvelar a compreensão, leitura de mundo que efetivamente se manifesta na dinâmica de relações objetivas, reais, concretas. Neste plano, no neoliberalismo, o valor absoluto se esgota na busca pela maior lucratividade. O que está em pauta é tão somente o retorno financeiro e nada mais. Não há pessoas, não há tradição, não há legado espiritual, não há projeto maior, não há identidade religiosa. A suma referência é o mercado e suas promessas de retorno econômico.
Neste contexto, espiritualidade, tradição, ritualidade, identidade religiosa se tornam pura abstração, na medida em que não incidem na vida, nem como representação simbólica, nem como referência prática. A economia de mercado produz uma profunda inversão na dinâmica das relações: o humano passa a ser submetido às coisas. É uma ética invertida, na qual as pessoas nunca estão em primeiro plano, são sempre secundarizadas diante do valor absoluto dos objetos.
A espiritualidade revela um traço essencial do humano. Negar tal dimensão significa também não viver a plenitude da própria humanidade. O olhar para a transcendência cadencia uma dinâmica de relações muito diversa aos apelos e definições próprias de um materialismo de mercado que é sempre reducionista, a empobrecer todo horizonte existencial.
Adelino Francisco de Oliveira, Doutor em Filosofia. Mestre em Ciências da Religião, professor no Instituto Federal, campus Piracicaba; [email protected]