Por trás da fotografia

Merli Diniz

 

Assisti a um filme chamado “Luta por Justiça”, em que Bryan Stevenson (Michael B. Jordan) é um advogado negro, recém-formado em Harvard que abre mão de uma carreira lucrativa em escritórios renomados da costa leste americana para se mudar para o Alabama e se dedicar a prisioneiros condenados à morte que jamais receberam assistência legal justa. O referido filme trata também do preconceito estrutural contra os negros nos EEUU, eleitos aleatoriamente para serem responsabilizados por crimes que não cometeram e condenados por “testemunhas” escolhidas a dedo, para afirmarem o que a polícia de lá impunha, a fim de responsabilizá-los e mandá-los à cadeira elétrica. Lá, ao contrário daqui, nem reconhecimento fotográfico era necessário, a não ser o fato de ser negro. O filme é baseado em uma história real e deixou-me com os nevos à flor da pele ante as cruéis violações aos direitos do cidadão, com base em testemunhos falsos. Perdi o sono e fui reler Guimarães Rosa, quando só quase o dia raiar, dormi um pouco.

O filme ainda martelava em minha cabeça e numa incrível coincidência, deparei-me com o Editorial do Diário da Região, com o título Por trás da fotografia, em que “dá voz a quatro casos de rio-pretenses que lutam pela sua inocência e que foram detidos sem pelo menos terem o direito ao benefício da dúvida” e não coincidentemente, o fato de serem negros e pobres.

O tema tão atual e controverso resultou também num artigo do Dr. Eudes Quintino, caro mestre dos tempos de minha vida acadêmica na Fadir. Discorre ele, sobre o reconhecimento fotográfico e sintetiza: “Procedimento deve ser observado com o máximo rigor e pode ser imprestável se a regra não é obedecida”.

E para fechar com chave de ouro o tema, o doutor Evandro Pelarin nos desafia em seu artigo, A relatividade da certeza, da relatividade da certeza e cita Fernando Pessoa, um dos meus poetas preferidos: “Deve-se tomar cuidado com a certeza. O homem mentalmente são não está certo de nada, isto é, vive numa incerteza mental constante “.

E é esse o perigo que está por trás da fotografia. A certeza: se pobre ou negro?, se pobre e negro?

Evidentemente, que há os que delinquem, mas se tivermos um olhar mais atento, vamos perceber que aqui também somos racistas, preconceituosos e desta forma, poderemos perder a oportunidade de salvarmos alguém como nos conta o autor, que conclui: que fica a certeza de que temos que duvidar da própria certeza.

Por trás das fotografias. Sejam elas, quais forem!

_______

Merli Diniz, professora, advogada, especialista em Direito do Consumidor, poeta e cronista

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima