“Não olhe para cima” e o conceito de pós-verdade

Rodolfo Capler

 

No último domingo assisti “Não olhe para cima”, novo filme do catálogo da Netflix. Estrelado por grandes nomes de Hollywood como Leonardo DiCaprio, Meryl Streep e Jonah Hill, o longa,dirigido por Adam McKay, conta a estória de dois astrônomos que fazem a supreedente e aterrorizante descoberta de um cometa que está em rota de colizão com a terra. Faltando apenas 6 meses para o cometa se chocar contra o planeta, que será totalmente destruído, Randall Mind (DiCaprio) e Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) – cientistas responsáveis pela descoberta– iniciam a frenética trajetória de comunicar a catastrofe planetária às autoridades e aos veículos de comunicação dos Estados Unidos.

Em meio a saga empreendidapelos dois astrônomos, o que de cara nos chama a atenção é que ninguém os leva a sério, tampouco se importa com a notícia científica que eles comunicam. Mind e Dibiasky são ridicularizados, menosprezados e relativizados. O descrédito imposto a eles é tão grande que até mesmo surge um movimento popular de oposição às suas constatações cintifícas, o qualrecebe o nome que dá título ao filme.

“Não olhe para cima”, além de ser uma produção cinematográfica divertidíssima e de conter críticas diretas ao negacionismo científico que predomina em nossos dias, toca num dos pontos mais profundos de discussão filosófica em nossa sociedade. A obra evoca o conceito de “pós-verdade”, que popularizou-se muito desde 2016, ano em quefoi escolhido como a palavra do ano pelo Dicionário de Oxford. Em linhas gerais, a “pós-verdade” relaciona-se com a dimensão hermenêutica dos fatos, o que sob uma ótica filosófica nietzchiana seria a admissão de que “não há fatos, apenas versões”.E justamente  é este o pressuposto que percorre por toda a trama de “Não olhe para cima”; os fatos não importam, apenas as versões ou narrativas.

O filme de Mckay nos leva a reflexões sérias sobre o modo como a nossa sociedade está lidando e como lidará com o conceito de verdade absoluta, que se encontra em disputa na mundo da política, na grande mídia, na comunidade científica e no universo religioso. Se não há verdade, então tudo é relativo, o que per seabre espaço para a defesa de quaisquer tipos de negacionismos; passando pela negação histórica de Auschwitz e da ditadura militar no Brasil até o movimento antivacina, o terraplanismo e a descrença no superaquecimento do planeta.

A compreensão correta do que é a verdade deve ser objeto de reflexão não só no campo da teologia, mas nos âmbitos filosófico e político em nossa sociedade. Antes de interpresarmosuma ferrenha luta contra os diversos negacionismos de nosso tempo, faz-se necessária, antes,uma séria investigação da natureza do conceito de verdade, segundo o modo como ela se apresenta à razão humana.

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Rodolfo Capler, teólogo, escritor e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP

 

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