Adelino Francisco de Oliveira
O mês de novembro avança para o seu ocaso. Mês de memória, dedicado à consciência negra. A história conta que foi justamente no dia 20 de novembro de 1695 que o bravo Zumbi tombou, defendendo até a morte Palmares e a liberdade. Apesar do final de novembro, ainda se tem tanto a dizer sobre a temática étnico-racial. Um mês se revela demasiado insuficiente para se esgotar um assunto historicamente silenciado e invisibilizado por séculos. A consciência negra não deixa de remeter ao lugar da população brasileira no mundo, à sua identidade mais profunda e genuína.
Antes de ser Zumbi, a alma que vagueia a noite, o grande guerreiro, quando menino, era conhecido como Francisco. O nome cristão foi dado em batismo pelo padre Antônio Melo, em uma dinâmica deviolência simbólica,que vislumbrava esvaziar o africano de sua cultura. Retornando a Palmares,o jovem Francisco, no auge de seus 15 anos,resgataa dignidade do nome africano, Zumbi, em um movimento de resistência e afirmação de sua identidade negra, livre e quilombola.
Eu sou Zumbi, em busca de um Quilombo! A experiência dos quilombos em Palmares guarda memória de um projeto político que retoma tradições de diversas sociedades da mãe África. Palmares representou a primeira organização política livre no contexto da América. Em 100 anos de resistência, o Quilombo de Palmares chegou a aglutinar mais de 30 mil pessoas, em um projeto de sociedade que acolhia negras, negros, crianças, idosos, indígenas e brancos empobrecidos pela exploração colonial.
Palmares era constituído de uma multiplicidade de quilombos. Muito mais do que um mero lugar de refúgio de escravos fugidos, Palmares passou a representar um projeto de sociedade, em evidente contraposição ao sistema escravocrata colonial. Em terra de exílio, na experiência mais brutal do cativeiro, negros e negras forjaram e ousaram implementar um modelo de sociedade estruturadoa partir do modelo de vida comunitária, tendo o ideal de liberdade como referência. A organização política e econômica de Palmares significou um rompimento com a ordem colonial de violência, exploração e opressão.
Enquanto sociedade, somos ainda o menino Francisco, sonhando com a utopia de alcançar Zumbi e seu Quilombo.Mas é urgente que o mundo seja tomado por novos quilombos, levantando-se contra o projeto de morte da casa grande. Em um movimento de se aquilombar, surgem as possibilidades de uma outra sociabilidade, aberta, diversa, livre e profundamente comunitária. Como em Palmares, uma sociedade capaz de acolher e proteger todos e todas, suplantando as formas arraigadas de racismo, preconceito e exclusão.
Estive em Palmares, rememorando a experiência diaspórica mais profunda, radical e transformadora dos negros e negras na América. A trajetória de Zumbi não deixa de nos ensinar que a emancipação, como construção coletiva, é sempre uma conquista. É necessário que se cultive, o ano inteiro, não apenas em novembro, a consciência dessas raízes ancestrais, erguendo monumentos a Zumbi, a Dandara e a tantos outros vultos da luta pela liberdade, celebrando o orgulho de pertencer a um povo que traz na pele as marcas de uma origem, uma ancestralidade tão profundamente nobre, altiva e heroica.Agora eu sou Zumbi,na resistência e luta por reinventar o mundo na perspectiva do sonho quilombola.
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Adelino Francisco de Oliveira, Doutor em Filosofia. Mestre em Ciências da Religião; professor no Instituto Federal, campus Piracicaba; [email protected]; @Prof_Adelino_; professor_adelino