Rodolfo Capler
No final de 2019, a GNT lançou uma minissérie em 7 episódios chamada “Vítimas digitais”. A série relata casos reais de vítimas de crimes digitais, enquanto profissionais da área da saúde mentalintercalam depoimentos sobre cada tema abordado. No primeiro episódio da série, uma jovem advogada chamada Renata (interpretada por Débora Falabella), após o término do relacionamento com seu namorado, se torna vítima de revenge porn (pornografia de vingança) – uma modalidade de cyberbullyng na qual o agressor chantegeia a vítima ou dela se vinga, publicando suas fotos íntimas sem seu consentimento.
O namorado de Renata sequestra os seus perfis do Instagram e do Wathsapp e unilateralmente, compartilha suas fotos íntimas com diversas pessoas. A vida de Renata se torna um verdadeiro inferno. Ela sofre tortura psicológica e passa a amargurar sentimentos de culpa e de raiva, decorrentes da violência sofrida. O episódio revelaos sofrimentos causados às vítimas derevenge porn e oferece modos adequados de combatê-lo.
O revenge porn é uma manifestação de violência digital com forte apelo de gênero. A Safernet Brasil, ONG de promoção e defesa dos direitos humanos na internet, registrou um crescimento de 1.640% nas denúncias de violência ou discriminação contra mulheres, de 2017 para 2018, saltando de 961 para 16.717 denúncias no Hotline da Sfarnet. Além de revenge porn, os principais crimes registrados foram vazamentos de imagens íntimas e sextorsão – quando o agressor usa imagens íntimas em sua posse para chantagear a vítima.
A maioria das vítimas de revenge pornnão procura ajuda ou não denúncia os agressores. Para Rose Leonel, presidente da ONG Marias da Internet, as vítimas de violência digital sofrem tanto a dor do trauma emocional que lhes é causado, como a incompreensão das pessoas que lhes são próximas: “A sociedade responsabiliza a vítima, colocando assim: “Se você não tivesse feito as fotos, se você não tivesse permitido, não teria sido vítima dessa exposição íntima.”
Somente procurando ajuda é que esses crimes podem ser julgados e as vítimas amparadas em sua dor. Segundo o psiquiatra paulistano Luiz Sperry, casos de revange porno só podem ser tratados quando a vítima sai do anonimato em busca de ajuda. “Para sair de uma situação de exposição dessas, a pessoa precisa justamente se expor. Essas situações se alimentam, um pouco, inconscientemente, dessa coisa de segredo, de tentar acobertar.”
Lamentavelmente, a justiça não é muito célere em casos de vazamentos de fotos íntimas. No livro “O corpo é o código” (excelente pesquisa sobre revenge porn) é revelado dados de uma investigação da InternetLab (um centro de pesquisas sobre direito e internet). Conforme os dados colhidos entre os anos 2015 e 2016, somente em cinquenta por cento dos processos de revenge pornjulgados no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, os juízes decidiram a favor das vítimas.
Os dados das mais recentes pesquisas revelam a perturbação mental que as vítimas de revenge porn experimentam e sugerem que esse tipo de violência digital influencia negativamente a forma como os jovens se relacionam socialmente. Desse modo, as vítimas — principalmente as adolescentes—, precisam do amparo moral de familiares, amigos, líderes religiosos e educadores para que exponham a violência sofrida e recebam a ajuda profissional adequada.
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Rodolfo Capler, teólogo, escritor e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP; e-mail: [email protected]