Carolina Angelelli
As primeiras palavras de um texto podem, talvez, para alguns redatores serem as mais difíceis. É o “puxar o fio da meada” como a gente pode diz, sabem?
Não é o caso deste texto, eu poderia começá-lo de diversas maneiras, que tal citar versículos bíblicos?
Em alguns versículos, podemos ler sobre o “culto ao bezerro de ouro”. Na linguagem corrente, a expressão “bezerro de ouro” tornou-se sinônimo de um falso ídolo, ou de um falso “deus” por exemplo, simbolicamente, o dinheiro.
Eu poderia também começar este meu texto semanal novamente com uma música? Assim simultaneamente homenageio Gilberto Gil, recém contemplado com uma cadeira imortal na Academia Brasileira de Letras, resgatando: “…A novidade era o máximo do paradoxo estendido na areia, alguns a desejar seus beijos de deusa outros a desejar seu rabo para ceia. Ó mundo tão desigual, de um lado esse carnaval do outro a fome total…”
Mas, a minha cara neste momento é Bertolt Brecht!
“Que tempos são estes em que temos que defender o óbvio?”
Já que escolhi começar por Brecht, vamos lá:
Na última terça-feira, 16, foi colocado um Touro de Ouro na rua 15 de Novembro, em frente à B3 (Bolsa de Valores), no centro de São Paulo capital.
A imagem do animal, símbolo de otimismo e prosperidade para o mercado financeiro, está presente em Bolsas de todo o mundo. O touro mais conhecido é o Charging Bull, que fica em Wall Street, em Nova York. A obra foi criada pelo artista italiano Arturo Di Modica, após a quebra do mercado de ações e inaugurada em 1989.
Um dia depois da inauguração, movimentos sociais e políticos realizaram atos e protestos no local contra a fome, o crescimento do desemprego, a superexploração do trabalho no país e a taxação de Impostos sobre Grandes Fortunas (IGF).
Apesar de estar previsto na Constituição de 1988, o IGF jamais foi regulamentado no Brasil.
Um dos pilares da campanha de Ciro Gomes, o ex-ministro da Economia e co-autor do Plano Real afirma com frequência que pretende taxar os super ricos se for eleito. Com essa medida pretende combater a desigualdade e ajudar o Brasil a equilibrar as contas do governo e melhorar os serviços públicos oferecidos a população.
Mas, quadro da desigualdade social brasileiro reveja que o país ainda tem um longo caminho a percorrer. De acordo com relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, o Brasil ocupa o sétimo lugar em ranking que classifica as nações mais desiguais, ficando atrás apenas de alguns países da África.
Quem são eles? – Para dar um choque de realidade naqueles que se acham super ricos e se posicionam contrários ao IGF, vamos esclarecer: os mais ricos, por exemplo, foram aqueles que durante a pandemia pertenciam ao seleto grupo que tiveram suas fortunas aumentadas.
Neste momento cruel em que enfrentamos uma drástica crise econômica e sanitária, alguns ficaram 27,5% mais ricos.
Enquanto uns têm muito, outros têm tão pouco – Na contramão deste cenário e refletindo a realidade, o Brasil enfrenta a pior crise econômica de sua história. O preço da cesta básica, da energia elétrica e dos combustíveis dispararam, a inflação corrói o poder de compra de itens básicos de consumo das famílias brasileiras. O número de cidadãos abaixo do nível da pobreza também cresceu muito.
Distorções da realidade – Segundo pesquisa recente elaborada pelo Instituto Britânico Ipsos Mori e realizada em 38 países, os brasileiros têm uma tendência equivocada da realidade nacional.
No ranking mundial, somos o segundo país do mundo em relação a conhecer a própria realidade.
É amplamente sabido que as operações na Bolsa de Valores retratam um Brasil elitizado, marcado pelas grandes corporações empresariais e com forte influência do mundo do financismo.
É esse o contraste que vivemos e devemos denunciar e lutar contra.
Lutaremos contra a desigualdade social que se materializa no touro de ouro colocado no centro de São Paulo, ao lado das malocas e barracas, sinalizando o progresso no momento em que o número de pessoas morando nas ruas nunca esteve tão alto e a fome atingindo mais de 20 milhões de brasileiros.
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Carolina Angelelli é a presidente do PDT de Piracicaba