Rubens Santana de Arruda Leme
Embora não tenha conexão direta com ao assunto aqui abordado, quero dedicar o título desse artigo ao meu amigo, economista, professor universitário, escritor e filósofo Valdemir Pires, autor da emblemática obra “O Tempo”, cujo volume III está em elaboração. Amigo esse que um dia me estimulou a transformar em texto minhas reflexões, indignações e sonhos.
Tenho, praticamente, toda a minha vida ligada à Cidade Alta, que a urbanização impiedosa e a especulação imobiliária, no decorrer das últimas décadas foram descaracterizando como bairro de tantas tradições e lembranças, no qual num dezesseis de julho de triste memória para o nosso futebol ( 16/07/50, Brasil 1 x Uruguai 2), cheguei nesse mundo de Deus.
Do ponto de vista cultural e esportivo, minha ligação mais forte sempre foi com o setor do bairro mais próximo ao estádio Barão de Serra Negra, aliás, nasci numa modesta casa da Rua Silva Jardim bem em frente ao estádio, à época o saudoso Bosque, de tantas lembranças para os mais antigos que ainda permanecem no sofrido planeta Terra.
Vi caírem as últimas árvores do Bosque Barão de Serra Negra, do qual só restou a nossa majestosa Sapucaia. Presenciei o final do Cordão do Leão, o inicio e o fim dos cordões do Bambi e do Nacional, assim como da Escola de Samba Unidos da Cidade(consta que desativada temporariamente… ) e da Portela.
Assisti ao nascimento, ao apogeu e ao fim do clube do meu coração, uma das mais tradicionais agremiações varzeanas de Piracicaba, o E. C. Paulistano da Cidade Alta, que lindas lembranças!
Mais recentemente, participei da criação do Movimento Cultural Sapucaia, que, num suspiro de nostalgia, trouxe para o bairro festas juninas, iluminação no Natal da nossa rainha Sapucaia e a fantástica Banda Carnavalesca, que chegou a levar para as ruas do bairro mais de quarenta mil pessoas, algo inédito no interior paulista.
A insensatez humana levou consigo o nosso bosque, restou heroicamente a imponente Sapucaia, que graças a alguns moradores do bairro, hoje tombada como patrimônio da cidade, há de levar a todos(as) que amam a vida e a natureza o recado de que preservar é preciso, resistir é preciso.
Infelizmente, as agremiações carnavalescas do nosso bairro já não existem. O querido E. C. Paulistano, encerrou suas atividades no inicio dos anos oitenta (1956/1983), não sem antes tornar-se campeão em 1973, do mais disputado campeonato varzeano da época.
A Banda da Sapucaia, a mais popular festa carnavalesca das últimas décadas, foi descaracterizada e num verdadeiro assassinato cultural foi transferida para outro local (esqueceram de levar junto a árvore… ), não sei se por inveja, preconceito ou maldade mesmo.
A pandemia, entre outras razões, cuidou de fechar tradicionais pontos de encontro das jovem e velha guardas bairro altenses, os bares do Chiquito e o do casal dona Maria e Roque. Lamentável.
Consta que, para colocar uma pá de cal no que resta da tradição e da história do bairro, o querido “Palmeirão”, também de tantas lembranças da nossa infância, juventude e parte da idade adulta, foi vendido e poderá ser transferido (?) para outro local. Fatos similares não tiveram bom desfecho: a venda do estádio Roberto Gomes Pedrosa e a pretensa criação da Cidade dos Esportes é um bom exemplo. Por outro lado, não será tirando o clube da região central que irão viabilizá-lo financeiramente, inclusive, a maioria dos clubes sociais está com dificuldades na sua manutenção, não só em razão da pandemia mas também porque seus associados estão optando por outras atividades e locais para o lazer e a prática dos esportes.
Gostaria de salientar que esta minha posição não tem cunho pessoal, inclusive nem sei quem são os atuais diretores, mesmo porque faz mais de vinte anos que não frequento o clube. Por outro lado, para que não digam que estou me restringindo às criticas, quero fazer uma sugestão, na esperança de que mais esse grande equivoco não esteja ainda consumado: que se crie uma parceria entre a prefeitura municipal e entidades como o Sesc, Sesi…, no sentido de se viabilizar financeiramente o clube e que suas dependências sejam oferecidas à comunidade, em especial à mais carente do bairro e da cidade, que o frequentariam pagando um valor simbólico ou mesmo gratuitamente. Sugiro também que, de alguma forma, nesse novo espaço esportivo e cultural seja homenageada essa figura ímpar de Wilson de Oliveira Bisson, falecido recentemente, um dos primeiros sócios e grande ativista cultural, exemplo de pai de família, amigo e cidadão.
Por não ser da minha alçada, não entro no aspecto jurídico sobre a demanda entre a prefeitura municipal e a diretoria do clube, naquilo que diz respeito à posse do terreno onde foi edificado o Clube Recreativo Palmeiras, um processo longo e que já deve acumular centenas de páginas no fórum competente.
Por outro lado, se a boiada já passou – como diria aquele ex-ministro — nos resta lamentar, ainda que seja bom lembrar, que nem tudo que é legal é moral. Há pouco mais de 130 anos, para vergonha do nosso país, ter escravos era legal.
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Rubens Santana de Arruda Leme, Técnico Químico, Supervisor de Higiene e Segurança do Trabalho, Representante Comercial Autônomo, morador há 70 no Bairro Alto.