Por que decaiu o Império de Carlos Magno?

Armando Alexandre dos Santos

 

O reinado de Carlos Magno marcou um período de grande esplendor político e também cultural, a ponto de muitos historiadores utilizarem a expressão “Renascimento cultural carolíngio”. Foi esse o tema do nosso último artigo.

Entretanto, depois da morte de Carlos Magno, ocorrida em 814, seus senhorios foram divididos entre seus três filhos, mas por morte de dois deles, o total do espólio acabou sendo atribuído a Luís, o Piedoso (778-840), que no ano de 817 proclamou o Império como único e indissolúvel, indicando como seu futuro sucessor seu filho Lotário, e designando para os outros filhos que tinha os reinos da Aquitânia e da Baviera. Após a morte de Luís, entretanto, ocorrida e 840, os três filhos sobreviventes, Lotário Luís e Carlos, entraram em disputa pela herança imperial, do que resultou, em 843, a chamada Partilha de Verdun.

Durante quase um milênio o Sacro Império se manteve uma monarquia eletiva, por um sistema eleitoral que se firmou no século XIII, se sistematizou no século XIV e permaneceu em vigor até o século XIX. Cada vez que morria um imperador, era eleito seu sucessor por um colégio eleitoral constituído por um número reduzido de Príncipes Eleitores (Kurfürsten) – senhores eclesiásticos e temporais aos quais incumbia esse privilégio. O número de eleitores, entre o século XIII e o fim do Império, variou de 6 a 10. Sem embargo dessa eletividade teórica, ao longo de mais de 800 anos quase sempre foram eleitos imperadores os filhos ou herdeiros imediatos do imperador falecido, de modo que, na prática, o Império era uma monarquia hereditária, embora se mantivesse formalmente eletiva.

Os historiadores se perguntam quais as causas do declínio do Império Carolíngio. Sem dúvida, Carlos Magno foi um grande chefe, um colossal administrador, um conquistador sem igual, que se mostrou inteiramente à altura de seu papel histórico – mas não teve sucessores à sua altura. Se ele tivesse tido, nas duas ou três gerações seguintes, sucessores com sua mesma capacidade excepcional, provavelmente se teria fixado um modelo de grande imperador, que tenderia a se prolongar para os séculos seguintes. Mas acabou prevalecendo o costume dos reinos bárbaros de dividir os domínios de cada rei falecido entre vários herdeiros seus, de modo que a tendência centrífuga do Império Carolíngio acabou prevalecendo sobre a centrípeta.

Ainda não estavam bem assentados, naquele tempo, os mecanismos reguladores da sucessão dinástica, que se estabeleceriam e fixariam nas monarquias europeias no segundo milênio. Tais mecanismos não foram meras convenções sem razão de ser, nem resultaram de planejamentos. Foram, pelo contrário, produtos da experiência dos séculos, como meio eficaz de assegurar a unidade dos reinos e a continuidade pacífica das sucessões. Foi só aos poucos, muito gradualmente, que se desenvolveu o princípio da sucessão dinástica através dos primogênitos. Inicialmente, a designação dos monarcas se fazia por eleição, não evidentemente pelo sufrágio universal que conhecemos, mas por escolha entre os chefes.

Nos tempos primitivos, o monarca era precisamente aquele dentre os chefes militares que se mostrasse o mais forte, o mais capaz de defender a comunidade contra os inimigos que de todos os lados a cercavam. Mas já se notava uma tendência natural para a continuidade das chefias, pois era normal um chefe ir preparando o próprio filho para a sucessão, por vezes associando-o ao governo ou até fazendo com que fosse desde logo reconhecido e jurado como seu futuro sucessor. Ainda entre os povos bárbaros ou semibárbaros europeus foi-se estabelecendo como natural a monarquia hereditária. Tudo isso, insista-se, pouco a pouco, fruto de uma lenta evolução. Mas ainda não se havia chegado à perfeição do sistema. Pois quando morria um rei, ou os filhos concertavam pacificamente, entre si, a divisão dos domínios paternos (o que não era muito frequente e acarretava o inconveniente de enfraquecer as parcelas resultantes do fracionamento, como ocorreu com a herança carolíngia), ou havia que eleger um dos filhos, com preterição dos outros. Eram, então, mais comuns, quase regra geral, as disputas renhidas pela totalidade da herança paterna – ou pela melhor parte dela – nas quais se empenhavam os príncipes interessados e as facções que cada um deles liderava. Essas disputas o mais das vezes eram violentas e degeneravam em guerras cruéis.

Precisamente a fim de evitar as escolhas, que sempre semeavam divisões, é que se foi fixando o princípio da primogenitura na transmissão do poder. Não era qualquer um dos filhos do monarca falecido que sucedia a ele, mas era sempre o seu primogênito, de tal modo que pacificamente se assegurava a transferência do poder através das gerações.
A monarquia hereditária de primogênito a primogênito, tal como a conhecemos em tempos menos recuados da História, é, portanto, fruto de uma elaboração processiva, de um aperfeiçoamento gradativo através dos tempos. Foi a solução que a sabedoria e a experiência de gerações e gerações de antepassados nossos encontraram, vendo nela uma fórmula eficaz para evitar as divisões, as disputas, as rixas, as guerras civis ocasionadas nas eleições de chefes supremos.

Por falta desse elemento, e também por falta de sucessores com o mesmo valor individual de Carlos Magno, a dinastia capetíngia decaiu e o seu Império desmoronou.
Sobreviveram, é claro, as instituições feudais, que tiveram grande desdobramento nos séculos seguintes, e, formalmente, conservou-se a dignidade imperial, já bem menos ampla e expressiva do que no projeto carolíngio, até princípios do século XIX, quando Napoleão extinguiu o Sacro Império e seu último soberano, Francisco II, passou a ser Francisco I, Imperador do novo Império da Áustria. Foi o pai de nossa primeira imperatriz, D. Leopoldina. E, paradoxalmente, o sogro de Napoleão Bonaparte…

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Armando Alexandre dos Santos, licenciado em História e em Filosofia, doutorna área de Filosofia e Letras, membro da Academia Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba.

 

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