Alvaro Vargas
O desenvolvimento científico e intelectual da humanidade, particularmente a partir do século XIX, tem criado embaraços a muitas religiões que ainda trazem conceitos anacrônicos que não condizem com as conquistas realizadas pelo homem. No cristianismo, no seio das igrejas reformadas, surgiu um movimento intelectual conhecido como teologia liberal, questionando o dogma do pecado original e não considerando os “milagres de Jesus” como acontecimentos reais, além do seu nascimento virginal e a sua ressurreição. Essa teologia, apesar de suas limitações, buscou interpretar as doutrinas cristãs considerando o conhecimento moderno, a ciência e a ética, enfatizando a importância da razão e da experiência sobre a autoridade doutrinária. Em resposta, teólogos conhecidos como fundamentalistas, rejeitaram essa abordagem, reconhecendo os milagres de Jesus, e estabeleceram como pilar de sustentação para a sua fé religiosa, cinco dogmas: a Bíblia tem de ser interpretada em sua forma literal, Jesus é Deus, o seu nascimento foi de uma virgem, a remissão de nossos pecados através de seu sacrifício e a sua ressurreição em um corpo físico. Entretanto, na visão espírita, doutrina filosófica de fundo moral e científica, “fé inabalável só o é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da humanidade” (O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. 19, Allan Kardec). Portanto, a imposição de dogmas, decididos por um grupo de teólogos pode perdurar por algum tempo, mas não resistirão à evolução de nossa sociedade.
Analisando esses dogmas fundamentalistas, entendemos que a Bíblia não pode ser interpretada apenas em seu sentido literal. É necessário compreender o espírito da mensagem. “A letra mata, mas o espírito vivifica” (2 Coríntios 3). Jesus é um espírito puro, nosso guia e irmão maior, mas não é Deus. O fato de ter autoridade moral para perdoar os nossos pecados mesmo sem ser a divindade, é porque ele tem perfeita sintonia com Deus, cumprindo a Sua vontade. Nasceu através de uma gestação concebida conforme qualquer ser humano, e isto não o diminui. Pelo contrário, veio para vivenciar as mesmas dificuldades que atravessamos na existência terrena. Por isso é o modelo a ser seguido e o oposto configuraria uma fraude. A sua crucificação foi uma decisão nossa, devido ao nosso atraso moral. Um crime que gerou sérias consequências para toda a humanidade. Morreu na cruz, deixando a vestimenta carnal da mesma forma que todos os humanos realizam na desencarnação. Mas não justificou as nossas iniquidades. A responsabilidade de nossos atos pertence a nós mesmos. O Mestre esclareceu que a semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória. Após a morte, nosso corpo físico se decompõe e as moléculas farão parte de outros organismos vivos. A ressurreição dos mortos não existe e seria uma agressão a nossa inteligência aceitar essa premissa. No terceiro dia após o martírio do Calvário, Jesus foi visto apenas em corpo espiritual, tanto pela vidência como pela materialização de seu perispírito.
Com relação aos “milagres”, Jesus mencionou “Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas; não vim revogar, mas cumprir” (Mateus, 5:17). Todas as ações empreendidas por Jesus, que foram interpretadas como milagres, tiveram origem na nossa limitação científica, para as explicar. Assim, ocorreram conforme as leis naturais que regem o universo. O Espiritismo esclarece que fomos criados simples e ignorantes, e fatalmente seremos espíritos puros algum dia. Temos a eternidade para evoluirmos. Como doutrina sem dogmas, rejeita os que foram criados pelo homem e que atentam contra a razão e o bom senso. “A fé cega já não é deste século, tanto assim que precisamente o dogma da fé cega é que produz hoje o maior número dos incrédulos, porque ela pretende impor-se, exigindo a abdicação de uma das mais preciosas prerrogativas do homem: o raciocínio e o livre-arbítrio” (Allan Kardec, in op. cit.).
______
Alvaro Vargas, engenheiro agrônomo-Ph.D., presidente da USE-Piracicaba, palestrante e radialista espírita