Adelino Francisco de Oliveira
A espiritualidade é, sem dúvida, uma dimensão essencial do humano. A percepção da transcendência pode projetar a existência para um sentido maior, que ultrapassa a mera materialidade da vida. Cultivar a espiritualidade consiste em dar especial atenção à interioridade, alcançando o que há de mais profundo e significativo no humano. O cultivo espiritual é um movimento de interiorização, representando um intenso mergulho em si mesmo.
As religiões, com suas narrativas, representações simbólicas e rituais, buscam apontar caminhos para o cultivo espiritual. Mas o acesso à espiritualidade não é prerrogativa exclusiva de religiões. Toda experiência autenticamente profunda, que possibilite um movimento de introspecção, contemplação e interioridade cumpre também a função de despertar para essa dimensão essencial.
Isso significa que não é necessário estar em um templo, participar de determinado ritual para alcançar e viver a experiência da espiritualidade. Em alguns momentos a leitura de um livro, a contemplação da natureza, a conversa mais profunda e verdadeira com um amigo confidente, a audição de uma determinada música, o assistir um filme existencialmente mais tocante, a observação detalhada de cenários e imagens ou mesmo o simples silêncio podem ser também chaves que dão acesso à espiritualidade.
O ser humano é portador de múltiplas potencialidades, de forças criativas internas, que podem aflorar e serem despertadas,consubstanciando uma humanidade cada vez mais densa, inusitada, elevada e plena de possibilidades. A espiritualidade é a fonte primordial de uma humanidade interior, que pulsa em profundidade e plena beleza.
As religiões dialogam justamente com essa dimensão tão profunda e representativa no humano. Elas podem gerar autonomia e libertação ou mesmo se tornarem instâncias de controle e aprisionamento. O fundamentalismo religioso promove esse movimento de rebaixar a dimensão da espiritualidade, produzindo experiências que alienam e oprimem. É a expressão de uma religião sem transcendência nem interioridade, voltada tão somente para o que é imediato e superficial, o mundo das coisas.
As teologias que prometem prosperidade e retribuição aparecem como desdobramentos do fundamentalismo religioso, que é estéril e vazio de toda espiritualidade, fomentando relações ancoradas na lógica do mercado, de compra e troca. Longe de acessar algo essencial, essa prática religiosa só consegue produzir uma humanidade cada vez mais desfigurada, apartada das potencialidades que a existência pode alcançar.
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Adelino Francisco de Oliveira, professor no Instituto Federal, campus Piracicaba; Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião; [email protected]