Que medo, mãe!

Camilo Irineu Quartarollo

 

Logo que apareceu essa peste eu quis trazer minha mãe para a isolar do mundo. Não deu. Os exames preliminares dela, suas dores de corpo e “síndrome de casa fechada” mostraram que o vírus fora mais rápido que o derradeiro encontro.

Antes vinha à minha casa sentava na poltrona mais aconchegante, dava umas voltas de andador pelo quintal e sentava no banco de madeira a conversar com os pássaros e flores, sem o tédio dos humanos.

A despeito das sequelas e do histórico de mortes e imprudências no país, quis Deus que o destino dela fosse viver e dar mais um respiro de esperança aos familiares num encontro de máscaras sob olhos marejados. Ela não tem total noção de que esta miséria nos assola, e como explicar? Talvez o esquecimento seja benéfico, exceto pela solidão e conversas confusas do mundo digital.

A COVID, além de pôr em risco o infectado separa pessoas, exclui encontros, abraços e põe armadilhas aos incautos. Deus me livre de passar esse vírus à minha mãe! Vejo muitos sem preocupação alguma, sem máscara, sem cuidados, sem álcool, sem sabão, fazendo aglomeração, numa confraternização necrófila.

A onda vai numa escala exponencial, astronômica.

Por um chute de palpiteiro o país fica à espera da Imunização de rebanho, de cloroquinas e, assim, esperando num “cozinhar de galo” enquanto as cepas mais perniciosas e os recombinantes mais adaptados se desenvolvem livremente, com efeitos deletérios e, notoriamente de “gripezinhas” em “resfriadozinhos” somos o criadouro deste vírus, solto, espalhadão, sem logística, sem contenção, sem plano nacional de contingência, ao deus-dará.

Incrível, mas tem gente torcendo pelo vírus, pela morte. A estes, meu repúdio. Restrição geral não é opção, a vacina é, mas por falta da segunda opção e gerenciamento do governo na compra vacinal, fechem-se até que chegue a vacina!

Do alto de seus oitenta e quatro anos minha mãe vive os seus dias ungida pela fé ancestral, talvez tenhamos de reaprender a viver um dia por vez. Não é mais aquela mulher mãe de sete filhos, dona de casa antiga. Ainda revive suas perdas e a COVID nem a incomoda, como se fosse mais uma mosca a rondar a sopa. Nas festas de antes da pandemia no lar de idosos a sua frase marcante, afixada em cartolina, foi: sem a família não somos nada.

Enfim, as pessoas dos lares de idosos da cidade receberam a vacina e depois foram servidos sorvetes deliciosos e coloridos aos velhinhos. Bonito de se ver o gosto nos olhos deles e minha mãe que vivia me dizendo “não me vai pegá um resfriado”, não largava do palito. Eu quase disse – pensei em brincar com ela e dizer: não me vá pegá Covid, hein. Agora está vacinada e espero que todos possam se vacinar brevemente.

Nossa grande família é a nação, entretanto, é um conceito vago para quem não tem amor aos semelhantes nem respeita a mãe pátria.

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente judiciário, escritor independente, autor do livro A ressurreição de Abayomi, dentre outros

 

 

 

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