A velha face da Justiça

José Renato Nalini

 

O equipamento estatal denominado Justiça fez parte integrante de mais de dois terços de minha vida. Ainda estudante, fui praticante de escriturário da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, atuando junto ao Departamento de Pessoal. Ela já fora, infelizmente, convertida em Fepasa e se transformara numa grande repartição destinada a responder a infinitas reclamações trabalhistas. Consequência da intervenção estatal numa ferrovia que sempre fora exemplo de eficiência e êxito, algo mais próprio à iniciativa privada. Datilografava enormes quadros com diferenças salariais, para instruir as demandas, todas elas vencidas pelos reclamantes, tais os desmandos de quem não conhecia a história da empresa.

Àquele tempo se fazia “cursinho” para o vestibular. Frequentei durante um semestre o “Akademus”, em Campinas, para ingressar na Faculdade de Direito da Universidade Católica daquela cidade, que ainda não era Pontifícia. Depois fui Promotor de Justiça durante quase quatro anos e Juiz de Direito por outros quarenta.

Posso ter alguma experiência no setor. Por isso acredito que a Justiça nacional tenha condições de ser melhor do que é.

Acredito que a “profunda reforma estrutural” do Judiciário ainda não foi feita. Tentou-se, mas as circunstâncias políticas não permitiram se avançasse o quão necessário.

Ainda assim, o ordenamento permitiria a continuidade de uma transformação que é permanente, porque a sociedade é dinâmica e a Justiça não pode ser estática. Precisa absorver as profundas mutações impostas à humanidade, principalmente depois da chamada Quarta Revolução Industrial.

Aprimorar a prestação jurisdicional é missão que interessa a todos e que incumbe à cidadania em geral. Mas a competência para implementar o que efetivamente interessa foi atribuída ao Supremo Tribunal Federal.

Há providências muito singelas que poderiam ser adotadas e que evidenciariam a mentalidade aberta dos integrantes do órgão máximo da Magistratura nacional.

Por exemplo: a) manter o julgamento online, mesmo depois de superada a crise aguda da pandemia. A economia em tempo, a desnecessidade de deslocamento, o rigoroso cumprimento horário, mostraram-se favoráveis à preservação do sistema; b) repensar a necessidade de transmissão televisiva de todas as sessões. É constatável o alongamento das justificativas de votos, a preocupação com a imagem e a necessidade de mostrar erudição, o que é despiciendo em se tratando do STF; c) investir na colegialidade, para que o protagonismo individual deixe de ser um fenômeno criticável por toda a sociedade, um dos raros consensos brasileiros; d) colocar em pauta os processos mais antigos, numa espécie de mutirão cívico e patriótico: mostrar que a Justiça funciona; e) cobrar devolução dos pedidos de vista; f) julgar com rapidez os processos com repercussão, pensando nos milhares de processos que aguardam tais providências; g) assumir, gradualmente, a sua missão precípua de ser Corte Constitucional, declinando de outras atribuições que inibem adequado cumprimento de sinalizar à Nação o que vale e o que não vale.

São questões singelas, que não precisam de alteração legislativa. Basta vontade política. Os guindados à curul suprema têm condições de tornar o Tribunal um padrão também de eficiência, com abandono das insólitas provocações que alimentam a fome do vulgo pelo bizarro e pelo exótico. Um pouco de contenção, de impessoalidade e de discrição não fariam mal ao STF.

O CNJ foi concebido como órgão de planejamento para a Justiça. É importante se conscientize de que há muito a ser feito para que o Poder Judiciário conquiste respeito, consideração e um verdadeiro apreço reverencial por parte da sociedade.

Há muito ainda a merecer atenção do órgão colegiado para legitimar o dispêndio que o Erário, sustentado pelo povo, destina à Justiça. É importante observar, coletar dados, mas há modificações que não dependem de sofisticadas teses, nem de eruditas e labirínticas elucubrações.

O CNJ seria o órgão mais adequado a promover a restauração da ética na Magistratura, já que foi quem editou um Código de Ética hoje tão negligenciado. As Escolas da Magistratura são muito eficientes em promover cursos sobre técnica, sobre novas leis, sobre teorias, doutrinas, posturas acadêmicas. Nada se faz em termos de fomentar vivência ética no universo judicial. Parcela considerável das críticas tecidas ao sistema Justiça decorrem de desvios éticos. E se há aqueles que acreditam que ética não se ensina, uma atuação pronta dos órgãos correcionais é uma espécie de pedagogia prática, capaz de alinhar condutas que possam evidenciar afastamento do padrão ético irrepreensível exigido aos juízes.

É preciso que o sistema Justiça acorde para a realidade e mostre uma nova face, para que se afaste a tendência a considerá-lo ineficiente, extremamente lento e imprevisível, o que não enaltece a sua imagem nem fortalece o seu conceito na República.

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José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove, presidente da Academia Paulista de Letras (APL); foi presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

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