Golpe de Estado

Almir Pazzianotto Pinto

 

Golpe de Estado é o ato de força cometido contra governo instituído de conformidade com as normas constitucionais, para que alguém assuma ou se mantenha no poder pela força. A definição é passível de crítica e apenas uma entre muitas que poderiam ser utilizadas.

O verbete golpe de estado encontrado no Dicionário de Política, de Bobbio, Matteucci e Pasquino (Ed. UnB, Brasília, DF, 1994), contém análise assinada por Carlo Barbi, do qual transcrevo o seguinte trecho: “Tomando como objeto de pesquisa os anos recentes, achamo-nos frente a uma verdadeira proliferação de golpes, embora com características bem diferentes. Na verdade, no início dos anos 70, mais da metade dos países do mundo tinha Governos saídos de Golpes de Estado e o Golpe de Estado, por conseguinte, tornou-se mais habitual como método de sucessão governamental do que as eleições e a sucessão monárquica. Mas os atores do Golpe de Estado mudaram. Na maioria dos casos, quem toma o poder político através do Golpe de Estado são os titulares de um dos setores-chaves da burocracia estatal: os chefes militares” (vol. 1, pág. 545).

Em 1930 não houve golpe de Estado, mas revolução articulada pela Aliança Liberal, liderada por Getúlio Vargas. O objetivo era depor o presidente Washington Luís e impedir a posse de Júlio Prestes, presidente do Estado de São Paulo no período 1927-1930, eleito presidente da República pelo Partido Republicano Paulista (PRP) nas eleições de 1ºde outubro de 1930.

Vargas assumiu a chefia do Governo Provisório em 10 de novembro de 1930, com o objetivo de permanecer. Protelou, enquanto lhe foi possível, a convocação da Assembleia Constituinte, medida tomada por decreto em abril de 1933. Promulgada a Constituição em 16 de julho de 1934, elegeu-se presidente pelo Congresso Nacional, para encerrar o mandato em 3 de maio de 1938.

Em 10 de novembro de 1937 deu o golpe que o pôs na chefia do Estado Novo. Permaneceu até 29 de outubro de 1945, quando foi deposto pelos mesmos militares que haviam implantado a ditadura. A Carta de 1937, redigida por Francisco Campos, justificava o golpe como resposta às “legítimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários”. E atribuía a responsabilidade “ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista”.

As gerações de hoje pouco sabem sobre o Estado Novo. Alguma coisa, porém, conhecem a respeito do regime militar implantado em 31 de março de 1964. O preâmbulo do ato institucional baixado em 9/4 pelo Comando Supremo da Revolução, integrado pelos comandantes do Exército, Marinha e da Aeronáutica, advertia que País se encontrava diante de revolução vitoriosa, que “se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação. A Revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte (….) Essa é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte”.

Durante 20 anos o País viveu sob o regime de exceção. Para presidir a República era requisito ser general do Exército. As feridas abertas, de ambos os lados, estão mal cicatrizadas. A volta à democracia, com a eleição de Tancredo Neves em 1985 e a promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988 não nos garantem contra eventual golpe de Estado. A ameaça do fechamento do Supremo Tribunal Federal por um cabo e dois soldados, o clima de belicosidade com governadores de Estados, o negacionismo imbecil, a infame guerra à vacina, a hostilidade contra o Butantan, a declaração ‘Quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as Forças Armadas’, a militarização do governo, a proposta de criação do generalato nas Polícias Militares, a aversão à liberdade de imprensa, o estimulo à idolatria, o ataque ao voto eletrônico são reveladores de que alguém poderia estar à procura de pretexto para a ruptura da ordem institucional.

A mobilização nacional em defesa do Estado de Direito Democrático já se mostra necessária. Os partidos estão debilitados. As oposições divididas. É difícil identificar alguém, entre os possíveis candidatos, capaz de galvanizar a opinião pública. A pandemia afeta a economia, provoca o fechamento de empresas, agrava o desemprego e a miséria. Revela a História que

o cenário poderá propiciar o aparecimento do demagogo com pretensões a salvador. Assim aconteceu com a Alemanha após a 1ª Grande Guerra, dando ensejo à tomada do poder por Adolf Hitler, e na Itália, por Benito Mussolini. A derrota do Exército russo em 1917 diante dos alemães abriu as portas para a ditadura do Partido Comunista. Lenin tomou o poder à força de discursos, como mostra John Reed no livro Dez dias que abalaram o mundo.

Nos países subdesenvolvidos da América Latina a democracia é planta delicada e frágil. A aversão à disputa e a dificuldade para se reeleger poderão espicaçar a ambição sem limites de Jair Bolsonaro. Observo no horizonte preocupantes sinais de fumaça.

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Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho, presidente do Tribuna Superior do Trabalho (TST), autor de A Falsa República

 

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