A volta às aulas em São Paulo deve ser presencial mesmo com o agravamento da pandemia? NÃO

Professora Bebel

 

A pandemia de Covid-19 impactou todas as dimensões da vida humana, no Brasil e no mundo. Ao desencorajar as interações sociais em virtude do elevado risco de contágio, comprometeu as atividades que têm no encontro sua razão de ser. Nem a demonstração de afeto contida num abraço passou incólume.

A educação foi muito afetada por essa situação, que ensejou o fechamento de escolas. Afinal, como pontua Paulo Freire, ela se realiza, enquanto prática da liberdade, num processo intersubjetivo de estudantes e professores. Reabri-las, todavia, contraria as evidências que deveriam pautar as decisões políticas. Não há condições para um retorno seguro às aulas em São Paulo e no Brasil.

Só se pode falar em retorno seguro se for garantido o direito à vida e à saúde à comunidade escolar, por meio de melhorias na infraestrutura das escolas e uma campanha pública de vacinação contra a Covid-19. E, simultaneamente, se houver sólida relação de confiança entre Estado e sociedade civil, como em qualquer democracia séria. A realidade da educação pública no estado de São Paulo, todavia, não contempla esses elementos.

Professores não têm prioridade na vacinação, e o cenário nas escolas é estarrecedor. Diagnóstico do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), feito em agosto a pedido da Apeoesp, concluiu que 82% das escolas não têm mais de dois sanitários para uso dos estudantes, e 48% não têm sanitário acessível para pessoas com deficiência; 13% não têm quadra ou ginásio; e 11% não têm pátio para atividades ao ar livre.

O mesmo estudo recomendou intervenções nas escolas, em especial sinalização e ventilação dos ambientes e redução do número de alunos por sala. Entregue ao Poder Público, foi ignorado em tom negacionista pelo secretário estadual de Educação, Rossieli Soares.

Até o momento, a secretaria não divulgou quantos profissionais da educação estão no “grupo de risco”, insuscetíveis de “retorno seguro”. Levantamento feito pela Apeoesp entre seus mais de 180 mil associados indica que cerca de 15 mil professores são idosos. Quantos mais têm comorbidades, como obesidade, diabetes e hipertensão?

Pesquisa realizada pelo sistema público de saúde do Reino Unido concluiu que os colégios provocaram três vezes mais surtos de Covid-19 do que hospitais naquele país. Segundo o estudo, 26% dos grupos de infecção analisados estavam ligados às escolas, enquanto 8% das infecções foram relacionadas a hospitais.

Por outro lado, os argumentos favoráveis à abertura das escolas oscilam entre a desinformação e o cinismo. Inconcebível, por exemplo, comparar escolas (fechadas) a bares (abertos e lotados). Um erro não justifica outro. Se o poder público não foi capaz de fazer quarentenas para valer, não pode agora flexibilizar o retorno às aulas como se a pandemia tivesse acabado.

Tampouco se sustenta a tese de que sem aulas presenciais os estudantes são acometidos por quadros depressivos. Além de não estar baseada em estudos consistentes, a afirmação contém um profundo corte de classe. Não é a falta de aulas presenciais que causa problemas de saúde mental, mas sim a indignidade de uma vida marcada pela privação de direitos fundamentais, tais como moradia adequada e saneamento básico, situação cotidiana de milhões de estudantes brasileiros. Onde estavam os arautos do bem-estar desses jovens durante todo esse tempo? (publicado no jornal Folha de S. Paulo em 16 de janeiro)

______

Professora Bebel, presidenta da Apeoesp, e deputada estadual pelo PT

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima