Uma fase vergonhosa da nossa nacionalidade

João Ribeiro Junior                                            

 

Quando abrimos um livro sobre a escravidão no Brasil, dependendo do livro a enredação é longa, cheia de artimanha de bastidores políticos. Houve interesses múltiplos entre os nossos homens públicos e os de fora, desejarem a manutenção da escravatura africana, e não sua extinção. A ideologia, os princípios norteadores da Abolição e o sentimento cristão de que ele revestia deixam muita coisa a desejar no cadinho da realidade histórica. nos meandros de uma fase vergonhosa da nossa nacionalidade. Em alguns livros, podemos nos perder nele, sem maior ou menor proveito para ninguém. A pesquisa histórica é o estudo dos mecanismos que vinculam a dinâmica das estruturas –  as modificações espontâneas dos fatos sociais maciços –  à sucessão dos acontecimentos: nesta última intervém os indivíduos e o ocaso, mas com uma eficácia que depende sempre, num prazo mais ou menos longo, da adequação entre tais impactos descontínuos e a tendência dos fatos sociais maciços. Portanto nesta matéria vou apenas ater-me ao básico que conhecemos, mas, que não constam nos livros oficiais de História A dificuldade na pesquisa sobre a escravidão no Brasil é devida a Ruy Barbosa, que, como ministro da Fazenda do primeiro regime Republicano instalado no Brasil, mandou queimar todos os documentos sobre a escravidão, guardados nas repartições públicas. O que realmente sabemos são esses fatos históricos: contados pelos viajantes que nos visitaram nesta época.

Os negreiros iam buscar os escravos na Costa de África e lá negociavam com os chefes de tribos negras que os trocavam por mercadoria europeia. Às vezes havia resistência dos cativos que eram então caçados, a base de porretadas e bofetões (e isso por negros que vendiam seus próprios

irmãos negros) Os negros vinham, como animais de corte, amontoados em porões de navios, muitos acorrentados (naturalmente os mais rebeldes), numa promiscuidade de sexo revoltante, como podemos ver, nas gravuras de João Maurício Rugendas. Outro pintor, Jean Baptiste Debret conta em  suas, gravuras que “a falta de ar, a tristeza, a insuficiência de uma alimentação sadia, provocavam febres, disenteria; um contagio maligno dizimava diariamente esses infelizes vítimas acorrentadas no fundo do porão do navio, arquejantes de sede e respirando um ar pervertido pelas dejecções infectas, que emporcalham mortos e vivos; e o navio negreiro, que embarcava escravos na Costa da África, após uma travessia de dois meses, desembarcavam apenas 300 a 400 indivíduos para serem vendidos na Rua do Valongo, no Rio de Janeiro, inteiramente nus. Posteriormente eram examinados dos pés à cabeça pelos compradores, que lhes abriam as bocas e lhes puxavam pelos dentes, depois, lhes apalpavam os corpos e beliscavam em busca de possíveis defeitos físicos ocultos. Entre as adolescentes o exame era mais demorado, pois iria servir com objeto de prazer. E no final, a compra de um negro e a de um cavalo não havia diferença.

Finalmente, comprados, davam-lhes a primeira alimentação, que se tornou o menu para outras, no local em que iriam trabalhar: feijão preto, pirão de farinha de mandioca, angu de fubá, toucinho, jerimum, abóbora cozida. Nos dias de abstinência religiosa (afinal os escravocratas eram cristãos.) a comida vinham em abobora escavada ou de cuia de árvore de cuité, segundo os exploradores Spyx e Martius. Sem dúvida havia exceções, como conta J.J. von Tschudi: “em certas fazendas, os escravos levantavam-se de madrugada fechada e labutavam até às 10 da noite; muitas vezes debaixo do relho de um feitor de escravos recebem mais bacalhau nas costas do que na barriga”.

Costumava-se alugar escravos como bens semoventes. O preço do aluguel variava muito: 80 reais por dia de serviço braçal na roça. Os ferreiros, serralheiros, carpinteiros, pedreiros e de outras profissões, ganhava um pouco mais, mas eram tratados como se fossem escravos para roça. De modo geral, os escravos (por incrível que pareça) tinham vida livre para procriação. Fazendeiros achavam que o amor livre entre a escravaria produzia não só crias (termo usado na época, no lugar de filhos) mais robustas, mas também os dispensava de muitas formalidades legais e religiosas. Muitas vezes, o simples assentimento dos senhores equivalia a um casamento formalizado e sacramentado.

O roubo de escravos por quadrilhas de bandoleiros, orientados e custeados por fazendeiros, não só roubavam escravos, para leva-los para os engenhos para vende-los, ou para uso d os próprios fazendeiros, mas também desviavam, com falsas promessas de uma vida melhor. Daí escravos fugitivos ou roubados serem encontrados pelas ruas ou pelas estradas. Nas cidades, como em São Paulo, Rio de Janeiro ou Minas. Há muito ainda sobre a escravidão, que deveria constar nos livros oficiais atuais da História do Brasil, escrita ideologicamente, para interesses políticos.

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João Ribeiro Junior, advogado (USP) docente de Direito Constitucional e de História, doutor em Educação e mestre em Filosofia (Unicamp)

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