Forjar janelas e recuperar a utopia

O ano de 2020 certamente entrará para a história como um ano trágico, marcado por profundas contradições e múltiplas perdas, regressões, especialmente no campo dos direitos. A inépcia e total ausência de estratégias para se enfrentar a pandemia da Covid-19 acabou sendo a causa direta da morte de milhares de brasileiros. A política econômica neoliberal e a clara aproximação com o neofascismo deram o tom de um período dominado por posturas obscurantistas, negacionistas, fundamentalistas e revisionistas, caracterizando o que pode ser assertivamente designado de política da morte.
Como pensar, então, saídas para a encruzilhada civilizacional que nos encontramos? Sem dúvida essa é a questão fundamental, que avança nas dimensões da ética e da política. A resposta não é simples, portanto, não pode ser elaborada de maneira muito superficial, para não se cair em reducionismos. O momento delicado que nos encontramos revela-se profundamente complexo, exigindo discernimento crítico, senso de justiça e muita disposição para lutar.
Talvez a linguagem metafórica, com seus símbolos e representações, possa apontar e inspirar caminhos a serem trilhados, vislumbrando suplantar toda essa barbárie que está posta. A proposta é explorarmos a imagem icônica da janela e a representação de um viajante que parte em busca do tempo perdido. Metáforas vivas que promovam uma comunicação mais profunda, que se revele capaz de provocar para possíveis mudanças de mentalidade.
É fundamental que nesse ano que se inicia ecloda um vasto movimento de forjar janelas, escancaradas à solidariedade, à justiça, ao direito, à generosidade, à empatia e para a mais profunda esperança. De maneira ousada, criativa, livre, inusitada e essencialmente comprometida com a causa do direito e da justiça, torna-se urgente abrir janelas, que renovem toda a esperança. Imagens fictícias de janelas abertas, a se projetarem para o esperançar.
A representação do viajante que se lança, com destemida coragem, em busca do tempo perdido pode, em uma primeira impressão, remeter a falsa concepção de se resgatar um tempo inútil e vazio. Mas a proposta é bem outra. O tempo perdido que se quer recuperar é o tempo do pensamento forte, o tempo das utopias. É preciso recompor a capacidade de perspectivar a utopia, entendendo o movimento da história como dialético, aberto à transformação. A dimensão do sonho, da utopia pode alimentar o engajamento necessário para as muitas lutas que devem ser travadas nesse cenário distópico da necropolítica.
O neofascismo que está escancarado no país, em sua dinâmica de intervenção política, procura justamente fechar janelas e sufocar o pensamento utópico, anunciando o tempo sombrio do pensamento débil, fundamentado na mais brutal violência, que nega a dignidade da vida em sua diversidade e apresenta a distopia como alternativa social.
A irremediável tarefa a ser cumprida, de maneira corajosa e incansável, no decurso do novo ano, consiste em abrir janelas para a utopia. É tempo de despertar. Sigamos em frente, na construção da luta política prolongada.
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Adelino Francisco de Oliveira, professor no Instituto Federal, campus Piracicaba; Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião; adelino. [email protected]

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