Quando as guerras acabam?

Camilo Irineu Quartarollo

 

Um dos anúncios mais fortes dos evangelhos e profetas é a paz, a coexistência pacífica entre o leão e o cordeiro, a víbora e o menino buliçoso. O prenúncio do natal e do messias é o fim das guerras, o ano santo do Senhor, a prosperidade para todos, mas voltemos para nosso hemisfério sul.

No século XVIII, os índios das Missões do Sul do Brasil, dantes protegidos pela fleuma das escolas jesuíticas, vão sendo empurrados pelos exércitos portugueses e espanhóis para o interior da mata, enxotados até o Paraguai e lá constituem uma nação chamada República Guarani, economicamente sustentável no século XIX e de analfabetismo zero! Entretanto o Paraguai tinha problemas para escoamento de seus produtos ao mar e aí surgem os litígios entre as nações fronteiriças. Os países vizinhos formam a tríplice aliança e atacam por todos os flancos até aniquilar a nação guarani.

Caxias, que já tomara Assunção e reduzira os guarani a poucas milícias de soldados mirins, se recusa a ser “coveiro” e escreve a D. Pedro II: “Quanto tempo, quantos homens, quantas vidas e de quantos recursos necessitaremos para terminar a guerra, quer dizer, para transformar em fumaça e pó toda a população paraguaia, para matar até os fetos no ventre das mulheres?”. Havia quatro protocolos secretos no acordo do representante inglês Thornton, um destes era de que não se aceitaria nenhum armistício com Solano López, conforme Júlio J. Chiavenato.

Nos estertores da guerra ganha, crianças assumiam os postos nas batalhas, mas a Tríplice Aliança estava ungida pelos protocolos a não darem chance alguma e os guaranis não arredavam pé. Já com o Paraguai praticamente dominado houve a batalha de Acosta Ñu ou Batalha de Campo Grande, em 1869, testemunhada pelo visconde Taunay e anotada no Diário de Campanha dele, bem como descrita por Júlio José Chiavenato, em seu livro Genocídio Americano: a guerra do Paraguai – lançada em 1979 e já na 32ª edição. Taunay escreve no livro de suas Memórias: “Quantas crianças de dez anos, e menos ainda, mortas quer de bala, quer lanceadas junto às trincheiras que percorri a cavalo contendo a custo as lágrimas!”

O Exército Brasileiro cerca as tropas paraguaias num círculo de fogo, descreve o General Tasso Fragoso, as crianças atacadas resistem o dia todo e ao cair da tarde estão mortas ou feridas. Os soldados mirins se agarram às pernas dos soldados brasileiros por clemência, entretanto sofrem a degola. As mães saem da mata e vão pegando os cadáveres dos filhos entre as lâminas afiadas em fúria de sangue e o conde d’Eu manda queimar o capim seco e estas também morrem queimadas. Domingos Faustino Sarmiento, autor do livro Facundo e presidente da Argentina de 1868 a 1874, diz: “… matamos todos os paraguaios maiores de dez anos”.

Hoje, todos conhecem o Paraguai e podem comprar além fronteira. Afinal, é quase Natal.

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Camilo Irineu Quartarollo, Escrevente Judiciário, escritor independente, autor de nove livros dentre os quais A ressurreição de Abayomi

 

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