Antonio Lara
Com um salário em torno de R$10,9, carro e motorista à disposição, dispensa ponto e muitas outras vantagens adicionais. Quem se habilita? A proposta é realmente tentadora e, somente em Piracicaba, cerca de 700 candidatos se apresentaram para preencher as 23 vagas existentes. Na disputa, vale tudo. O cargo que tanto desejam? O de vereador municipal.
Com a aproximação das eleições de 15 de novembro, o clima eleitoral já está tomando conta da cidade. Aparecem santinhos e adesivos com nomes muitas vezes desconhecidos; os bairros periféricos recebem centenas de visitas de simpáticos candidatos, que se mostram extremamente (e repentinamente) preocupados com as condições de vida daquela comunidade; chovem apertos de mãos, mesmo na pandemia da corona vírus, sem faltar às promessas e as festas para o “povão”.
Depois das eleições, certamente, tudo voltará à normalidade, e a maioria dos eleitores não terá a mínima notícia do que faz o candidato que ajudou a eleger. Muitos terão dificuldade até mesmo para lembrar-se do nome em quem votou. Você se lembra do candidato a vereador que mereceu o seu voto nas últimas eleições?
De quem é a culpa por essa situação? Do político, que depois de eleito não se preocupa em cumprir as promessas feitas, ou, pelo menos, em prestar conta do seu trabalho aos eleitores? Ou do próprio povo, que “lava as mãos” e não cobra nada daqueles que escolheu? Na verdade, a culpa se distribui. Quase sempre o político só mantém a população informada de suas realizações, quando visa à reeleição ou a outro cargo; ao mesmo tempo em que a maioria dos eleitores sequer sabe quais são as atribuições de um vereador ou de um deputado estadual ou federal.
Aliás, essa ignorância em relação ao que faz um vereador não existe apenas nas camadas menos esclarecidas. Não raro, muitos candidatos também não sabem exatamente o que irão fazer como vereadores. Não sabem mesmo o que lhes é ou não permitido realizar como vereador. Daí aparece tantas promessas mirabolantes e que, nem por isso, deixam de ser levadas a sério pelo povão.
Hoje, o vereador ainda é o responsável pela administração indireta dos interesses locais. Mas ele realiza essa tarefa mediante elaboração e aprovação de leis. Basicamente, o trabalho do vereador é verificar as necessidades da população e os meios para supri-las. Feito isso, o vereador apresenta ao Poder Executivo – no caso, os prefeitos – um projeto visando atender àquela necessidade, melhorando a vida do município.
Mas o trabalho do vereador não se resume em apresentar um simples projeto. Mais sérias são as necessidades das comunidades no que diz respeito
À infra-estrutura urbana, como abertura e pavimentação de ruas, construção de pontes, escolas e postos de saúde. Só que, por uma dessas inúmeras ironias da legislação brasileiras, os vereadores, que representam o Poder Legislativo no âmbito municipal, só têm a chance de colaborar na solução desses problemas quando conseguem driblar a lei. Isso, porque são legalmente proibidos de apresentar projetos que impliquem em gastos públicos.
Assim, os vereadores são obrigados a um verdadeiro “jogo de cintura” para conseguir executar a sua função de melhorar a vida da comunidade.
Tolhidos no que seria a sua principal tarefa, muitos vereadores acabam por se acomodar e “batem o ponto”. Dessa forma, o cargo de vereador se torna apenas um jeito fácil de ganhar a vida.
Com isso, retornamos ao início da estória: quem pode fiscalizar o trabalho do vereador? Somente o povo. As Câmaras Municipais são abertas à população, mas pouquíssimas pessoas podem dizer que assistiram ao menos a uma sessão. Quantas escolas pensaram em levar seus alunos, algum dia, para acompanhar os trabalhos do Legislativo? Esse poderia ser o primeiro passo na formação de um adulto, que saberia qual a extensão da sua responsabilidade ao eleger um representante. Isso certamente nos daria políticos melhores.
______
Antonio Lara, articulista, email: [email protected]