Camilo Irineu Quartarollo
O mundo das crianças e dos adultos são análogos. Branca de Neve derrubou a maçã ao cair engasgada e segue a lenda do mundo perdido, malum (mal), malus (maçã). O mal entrou no mundo e não foi pela mulher.
Na grande floresta, os anões Soneca, Dengoso, Feliz, Atchim, Mestre, Zangado e o imberbe Dunga, que protegem a donzela. São sete para pular as zonas de queimadas, a terra arrasada, os corações tristes, os mortos.
Nesse mundo sem heróis quem a salvará? Só se aparecer um príncipe. Agora, Branca de Neve é morta, a rainha de ébano também. Quem será o príncipe? O oitavo anão!
Gente que você nunca viu mais gordo pede amizade nas redes sociais, aquele amigo ou parente de velório retorna e as mensagens no reservado clamam por um voto. Até os políticos debochados mostram-se comportados e vale aquele jargão clássico: “todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido”. Às vezes, até eu me sinto com poder.
Diz Maquiavel que o povo esquece mais rapidamente o mal que se faz de uma só vez que o bem que vai se fazendo aos poucos. Já ouvi pessoas prejudicadas dizendo isso, esse governo não é tão ruim, ó, tá dando pouco, ao menos tá pingando, e dão loas ao príncipe pelo rebaixamento de calçada, ligação de energia, enquanto faltam vagas nas escolas, postos de saúde caindo aos pedaços, canos d’água vazando na rua, ônibus em ferragens batendo, a periferia que não aparece na TV, esquecida de projetos.
Como que o povo aceita o príncipe? No livro Discurso da Servidão Voluntária o francês Étienne de La Boéti deixa claro que o primeiro pressuposto da servidão é o vício, o povo se acostuma à servidão e a votar nos mesmos candidatos, no amigo, num que viu no bar, que toca violão, que é simpático e, em lindos contos de fada que entraram no subconsciente. Tem o jargão “voto em pessoa, não no partido”, mas ao votar em pessoa saibam que o candidato vota junto com o partido que você nem faz questão de saber qual, com os acordos de bancada, negociando.
Ora, o oitavo anão não existe, o amor não depende só de um beijo oportuno, nem a democracia de um voto festivo. Quantas donzelas este príncipe já beijou, sem que elas reanimassem? Se realmente ficou com Branca de Neve ou a rainha de ébano, quero saber dos dez anos seguintes. O divórcio não existe nos contos de fadas, afinal, tem crianças na sala e nossa democracia é tão jovem, coitada.
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Camilo Irineu Quartarollo é escrevente e escritor independente, autor de A ressurreição de Abayomi dentre outros