Preventiva: uma antecipação da pena

José Renato Nalini

 

A prisão é um mal em si. Sustente-se, retoricamente, a sua vocação restauradora ou ressocializante. Chame-se o encarcerado de “reeducando”. Sabemos todos que isso é eufemismo. Infelizmente, há necessidade de segregação de alguns indivíduos porque sua liberdade põe em risco o convívio social. Mas abusar do encarceramento é uma ilusão que custa caro ao Brasil. Basta verificar o quanto se investiu na indústria do cárcere nas últimas décadas. A quem satisfaz o ranking de país que mais aprisiona em todo o planeta?

Já se fez um cotejo do dispêndio com a solução prisional – a edificação de presídios, sua manutenção, a alimentação dos presos, o sistema de vigilância, o crescente custo do funcionalismo da administração penitenciária – e o que se investe em educação? Ou não haverá qualquer conotação entre falta de emprego e de perspectiva com o recrudescimento da criminalidade?

Atende-se a um parceiro muito poderoso: o medo. Ele satisfaz os que se consideram salvos se os criminosos estiverem presos. O medo também faz as pessoas se armarem e darem causa, voluntária ou involuntariamente, a mais mortes. Uma enquete levaria a população a decidir pela pena de morte e pela imediata redução da maioridade penal. Será que a multidão está sempre certa?

Quem estuda ciência jurídica se acostuma a invocar o princípio do contraditório. Em síntese singela, é saber ouvir os dois lados. Ou os vários lados de uma situação. Por isso, não faz mal a quem acredita nos benéficos efeitos da prisão, prestar atenção aos garantistas. Aqueles que pregam estrita observância do contraditório, do exercício da defesa e das regras procedimentais, antes de se mandar alguém ao presídio.

O Brasil assiste e aplaude a proliferação de prisões preventivas. Para o penalista Eugênio RaulZaffaroni, que já foi Juiz da Suprema Corte Argentina, é óbvio que a prisão preventiva é uma pena. Não se cuida de mera providência cautelar do juiz criminal. Pense-se que, em relação a quem ainda não foi condenado, vale o princípio da presunção de inocência. Não parece contraditório que o inocente vá parar no presídio?Nada obstante, é o que ocorre com frequência: constata-se uma inversão do processo penal aqui no Brasil e em outros países da América Latina. Primeiro se executa a pena e só depois é que se cuidará do processo. A partir disso, a sentença definitiva lembra uma revisão criminal. Porque os males do cárcere, o ainda considerado inocente já experimentou, antes mesmo de ser sentenciado.

O mesmo se diga com a prisão em flagrante. Para reduzir o ingresso de seres humanos ao cruel sistema elaborou-se a audiência de custódia. Ela provou, – em seu início, ao menos -, que enorme percentual de presos na flagrância não deveriam continuar detidos.

A sociedade do espetáculo se deleita com a prisão alheia. Seu sonho é ver todas as pessoas que mereceram realce, ou na política, ou por serem ricos ou famosos, atrás das grades. Daí o sucesso da “Lava Jato”, agora a mostrar suas vulnerabilidades.

Estes dias, Ives Gandra nos brindou com um artigo sobre os paradoxos de uma justiça humana que nos surpreende por seus equívocos. Faz lembrar Camus, no livro “O homem revoltado”, para quem a justiça humana, que não é estática, nem absoluta, ora está no direito, ora no avesso. Ou, textualmente: “A justiça em um mundo silencioso, a justiça escravizada e muda, destrói a cumplicidade e finalmente não pode mais ser a justiça. a revolução do século XX separou arbitrariamente, para fins desmedidos de conquista, duas noções inseparáveis. A liberdade absoluta zomba da justiça. a justiça absoluta nega a liberdade. Para serem profícuas, ambas as noções devem encontrar uma na outra seus limites. Nenhum homem considera a sua condição livre, se ela não é justa, ao mesmo tempo, nem justa, se ela não se acha livre”.

Esquecemo-nos, muita vez, de que para um homem probo, um dia de prisão já representa mancha indelével. Por isso é que a Alemanha dispõe de penas de prisão por hora. Uma hora no presídio faz o ser consciente refletir sobre sua vulnerabilidade e sobre a existência de esquemas protetivos da sociedade, aos quais ele deve observar de forma estrita.

Depois, pensar que a prisão não é a única resposta para as infrações penais. É a mais óbvia, a mais cara, a mais ineficiente e depauperadora da dignidade humana. Quanto menos seres humanos na prisão, maior a esperança de que eles sejam exemplos de correção, idoneidade e adaptabilidade com as regras de convívio.

Mas para isso, é preciso investir em educação. Não necessariamente escolarização. Aquela educação para a vida, na qual todos somos alunos, independentemente da idade, da função, da ideologia ou do comprometimento com a missão universal de fazer deste planeta um mundo melhor.

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José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove, presidente da Academia Paulista de Letras (APL); foi presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

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