Camilo Irineu Quartarollo
Altas colunas rodeavam o interior do templo de Jerusalém, grandiosas. Que beleza sugeriu um discípulo ao mestre, que edificação! Jesus lhe cortou o barato, pois não estava embevecido e disse: não ficará pedra sobre pedra.
Doutra vez viram um cego de nascença e despontou a curiosidade. Quem pecou para que já nascesse cego o coitado, os pais ou ele mesmo? O mestre novamente adverte que não, é cego para glória divina. Ora, será que Deus tinha necessidades especiais?
Pessoas cegas, surdas, mudas eram toleradas, mas não aceitas, tanto que o cego de nascença foi enxotado da sinagoga por dizer no que acreditava.
Na verdade, o mundo da perfeição não é o mundo divino. A perfeição é um cancro na vida de pessoas obrigadas a se adequarem a um mundo que não existe.
Essa visão de deus perfeito e criador de coisas perfeitas contrasta com os evangelhos, cujo personagem central é chamado de “sinal de contradição”. No mundo dos perfeitos a voz e até o choro das crianças é calada, feitos surdos o que não se quer ouvir e medo de falar o que se ouviu. A perfeição é uma ditadura, escraviza, neurotiza.
Nesse mundo perfeito e estético a beleza e a arquitetura que os olhos pensam ver são fundamentais e caem como colunas de Herodes. A ideia de perfeição de deus no corpo físico, no comportamento padrão de fiel, no socialmente aceito e aprovado, correto num padrão da beleza grega. Para muitos Deus é um fabricante em série, capitalista e rico porque exige ofertas por milagre e, por isso, nessa crença de prosperidade, só os ricos entram no céu e alguns de carro último tipo.
Deus é imperfeito. Não fez tudo certo, nem perfeito. Fez à sua imagem e semelhança e, assim, o verbo na conjugação divina é no tempo presente, não no tempo passado, cria o mundo e o faz do nada, do impossível, sem barro e até do vento. As imperfeições são suas mãos criando eternamente o mundo ainda, queremos projetar nossa vida numa ética de esquadro, esteticamente, mas o incerto é a pedra de toque. Deus não é grego, o clássico barbudo das pinturas, mas é uma liberdade quem o acha assim e não impõe aos outros. Cada um vê como em espelhos, não como é. O espelho pode ser perfeito num ângulo e bizarro em outro. Hoje, neste espelho secular e de falência de estruturas sociais a imperfeição divina vem clamar aos humanos ditos perfeitos. No final, ninguém liga mesmo, afinal Ele é invisível também — dizem-no, mas não é, pois o cego o viu.
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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente judiciário e escritor independente, autor do livro A ressurreição de Abayomi dentre outros