Capivaras, culpadas ou vítimas?

Eloah Margoni

 

A recente e infeliz morte de uma pessoa respeitada, conhecida e estimada na cidade, com quadro que, ao que tudo indica, seja de febre maculosa em sua forma fulminante, trouxe compreensivelmente tristeza e medo à população piracicabana. A exemplo de situação anterior de anos passados, mais uma vez isso se torna um caldo de revolta e raiva desaguando no desejo de perseguição às capivaras, que ainda são animais protegidos por lei, para início de conversa.

Vozes se levantam devagar, até por parte de gente progressista, usando argumentos supostamente racionais, se bem que haja os bem menos nobres; comentários inadequados sobre o sabor da carne do animal e restaurantes que a preparam. Caçadores se assanham e se assanharam no passado pelo mesmo tema. Até um professor da Esalq!.

E as capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris) nem   sequer são o reservatório das rickettsias, pequenas bactérias causadoras da febre maculosa e que podem ser trasmitidas por pulgas, ácaros, mas mais comumente em nosso meio pela picada do carrapato estrela (Amblyomma cajennense), conquanto não seja a única espécie de carrapato capaz disso!

É verdade que as capivaras, em face à agressiva e contínua destruição das matas e de seus predadores naturais, multiplicaram-se, podendo também causar desastres graves em rodovias; mas isso é outro assunto que já deveria ter sido abordado e resolvido.

E se os reservatórios das rickettsias não são as capivaras, quais seriam esses? Biólogos do IBAMA, em audiência pública, aventaram serem ratos. Porém existe outro aspecto crucial. Os carrapatos, uma vez infectados, permanecem infectados por todo seu ciclo vital. E mais, podem transmitir a infecção à prole sendo, portanto, os próprios carrapatos reservatórios das rickettsias também.

Capivaras abrigam carrapatos é verdade, mas também equinos, bovinos e eventualmente até cães podem ter ectoparasitas desta espécie. Nós mesmos tratamos com sucesso, uma criança de dois anos com quadro típico de febre maculosa. O menino não esteve em nenhuma área onde houvesse capivaras, mas num terreno vizinho à casa havia cavalos…

Por outro lado, uma da medida proposta por técnicos, para controle dos artrópodes nas capivaras, seriam valas com soluções    carrapaticidas para os animais nelas entrarem, nos corredores ecológicos e passagens feitas em estradas, visando a segurança de motoristas, passageiros e animais.

Em uma década algo assim foi implementado aqui? Parece-nos que nada. E isso é o que deve ser cobrado das autoridades. Somente placas de advertências são necessárias, mas insuficientes.

Muito temos de lutar contra os desastres ambientais, atualmente programados   e agressivos que estão fazendo do Brasil terra arrasada. Tal luta costuma ser muito dolorosa e difícil para quem a abraça; agora mais do que nunca. Mas escolher-se um alvo fácil, por frustração ou comodismo, está longe de ser a coisa certa ou lógica. É só fraqueza e covardia humanas, e pior, sem resolutividade alguma nem na questão específica nem no contexto geral das doenças infecto contagiosas ou parasitárias.

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Eloah Margoni, agrônoma, médica, ecologista, vice-presidente da Sodemap

 

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