Alexandre Padilha
É absolutamente irresponsável o aval dado pelo Ministério da Saúde nesta semana ao pedido da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para o retorno das torcidas nos estádios de futebol seguindo normas sanitárias e de segurança com critérios baseados em estudo feito pela instituição. O parecer do Ministério autoriza 30% da capacidade de frequentadores dos jogos podendo ser ampliada de acordo com a curva epidemiológica da cidade onde o jogo será realizado.
Apesar do retorno desenfreado e imprudente das atividades econômicas e comerciais no país, que passa a impressão do “faz de conta” de que está tudo bem, a pandemia da covid-19 não acabou. Falo do risco do retorno do futebol desde quando iniciada a discussão, inclusive, convoquei pela comissão externa de enfrentamento à covid-19 da Câmara dos Deputados uma audiência pública sobre o tema que contou com a participação de representantes da CBF, da Secretária Nacional de Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor do Ministério da Cidadania, da Associação Nacional das Torcidas Organizadas do Brasil e dos times Corinthians e Flamengo.
Naquele momento, já havia casos de covid-19 em jogadores de alguns times, por isso, o debate teve como foco a necessidade de se estabelecer previamente os protocolos e regras para a retomada protegida, que defendesse a segurança da vida das pessoas, jogadores, equipe técnica e jornalistas comentaristas.
Na audiência, representantes do clube Flamengo apresentaram um protocolo perfeito e chegaram a dizer que quem estava preocupado com o risco de infecção deveria provar que isso aconteceria. Está evidente que não era preciso depois de tantos indícios das formas de transmissão da covid-19. E agora também não é preciso provar para a direção do Flamengo: o time tem mais de uma dezena de infectados, entre jogadores, comissão técnica, departamento médico, dirigentes, isso mesmo já tendo um massagista morto em maio em decorrência da doença.
A paixão pelo futebol e ansiedade para que os campeonatos voltem a ser o que eram antes não podem ser naturalizados no cenário em que ainda estamos da pandemia de covid-19. Temos mais de 4,5 milhões de casos confirmados e cerca 140 mil mortes e ainda não temos vacina, não há situação controlada no mundo.
Os dirigentes do time que desprezaram a vida, agora pedem para suspensão do seu próximo jogo, quando deveriam reconhecer suspensão de todo o campeonato e abandonar esta proposta absurda que apresentaram de convocação das torcidas.
Para evitar esse absurdo, encaminhei ao Ministério da Saúde um pedido cobrando informações sobre este parecer. Nele, peço explicações sobre quais áreas técnicas do Ministério analisaram o documento enviado pela CBF e quais notas técnicas foram produzidas.
Também questiono a forma de monitoramento para o cumprimento de protocolos estabelecidos para que se evite novos focos de transmissão da doença e, caso ocorram óbitos de profissionais do futebol ou de pessoas envolvidas na organização e realização de eventos esportivos agora liberados pelo Ministério, quais as medidas preventivas relacionadas à assistência social, psicológica e indenizatória serão tomadas pelo governo. Não podemos aceitar e banalizar mortes. É inadmissível colocar pessoas em risco.
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Alexandre Padilha, médico, professor universitário e deputado federal (PT-SP)