Covid-19 deve ser reconhecida como doença do trabalho?

Alexandre Padilha

 

O governo Bolsonaro revogou nesta semana a publicação de uma portaria que atualizava a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT) que incluiu novas enfermidades associadas ao trabalho e a covid-19, que surgiu este ano, passou a ser incluída também. Esta lista é importante porque é ela que garante ao trabalhador quando identificado com alguma dessas doenças o acesso ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) ou a própria estabilidade do emprego por um ano.

A revisão da relação é uma exigência da Lei do SUS e viabiliza o monitoramento das transformações nos processos de trabalho e, se não atualizada, causa consequências prejudiciais à saúde dos trabalhadores.

O Brasil se tornou o campeão mundial de óbitos de trabalhadores da área da saúde vítimas da covid-19 e um dos países com maior número de trabalhadores de serviços essenciais que se infectaram pela doença durante suas atividades ocupacionais. A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas Américas, divulgou dados de um levantamento que mostrou que cerca de 570 mil profissionais de saúde foram diagnosticados e 2,5 mil foram vítimas fatais da covid-19 nas Américas.

Mas apesar de mais esses tristes números, o governo Bolsonaro, mais uma vez, mostrou que não defende a vida e muito menos os direitos dos trabalhadores. É importante destacar que a revogação da portaria após 24 horas de sua publicação prejudica todos os trabalhadores que tiveram ou terão doenças ocupacionais.

A deliberação negacionista que claramente só favorece aos empregadores e prejudica os trabalhadores dificulta o acesso a um conjunto de benefícios que são de direito dos trabalhadores e que já citei acima. Agora, em casos de covid-19, vale a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que enquadrou como doença ocupacional desde que detectada relação no ambiente de trabalho pelos peritos do INSS. Como as pericias presenciais estão suspensas, o relatório depende do entendimento das condições das atividades, o que pode não garantir benefícios plenos aos trabalhadores.

Diversas entidades já se posicionaram contra a revogação da medida e eu apresentei na Câmara dos Deputados pedido de informações ao Ministério da Saúde questionando o que motivou e qual estudo técnico precedeu a revogação, se foram ouvidos especialistas, pesquisadores e os técnicos da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério e um Projeto de Decreto Legislativo para sustar os efeitos dessa decisão.

Bolsonaro já tinha vetado o projeto de lei de minha autoria com outros parlamentares que validava os direitos indenizatórios aos trabalhadores da saúde, e seus dependentes, que viessem a falecer em decorrência da covid-19. Agora ao deixar novamente os trabalhadores desassistidos em meio a maior tragédia humana que o mundo já viveu, o governo Bolsonaro mostra, mais uma vez, sua visão de mundo do século XIX sem garantia da proteção à saúde e causa mais sofrimento os trabalhadores.

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Alexandre Padilha, médico, professor universitário e deputado federal (PT-SP)

 

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