A Constituição de 1891 e o Sistema Tributário

Almir Pazzianotto Pinto

 

A Constituição de 1891 caracterizava-se pela simplicidade. Com apenas 91 artigos e 8 Disposições Transitórias trazia Preâmbulo conciso onde se dizia apenas “Nós os representantes do povo brasileiro, reunidos em Congresso Constituinte, para organizar um regime livre e democrático, estabelecemos, decretamos e promulgamos a seguinte Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil”.

Se é verdade, como escreveu Aliomar Baleeiro, que “o povo brasileiro cansara-se da monarquia, cuja modéstia espartana não incutia nos espíritos a mística e o esplendor dos tronos europeus”, não havia, contudo, movimento republicano de amplitude capaz de abalar os alicerces do governo de D. Pedro II. Na opinião do ilustre baiano, apesar dos resultados provocados pela abolição da escravatura, “os republicanos constituíam minoria na opinião pública. E estavam divididos: – Silva Jardim, às vésperas da República, hostilizava Quintino Bocaiúva. Não havia entre eles um líder carismático, dos que arrastam multidões”. Para o ministro Carlos Maximiliano, autor dos Comentários à Constituição de 1891 editado em 1918, “para proclamar a República fazia-se necessário destronar um santo. Ninguém ousaria propô-lo à multidão, que adorava O Velho, como carinhosamente chamavam o Imperador”. Daí o conhecido registro feito por Aristides Lobo na edição de 15/11/1889 do Diário Popular: “Por hora, a cor do governo é puramente militar, e deveria ser assim. O fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula. O povo assistiu aquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam, sinceramente, estar vendo uma parada”.

A facilidade da queda do Regime Monárquico por certo surpreendeu o Marechal Deodoro da Fonseca que assumiu o comando das tropas para depor o Gabinete chefiado por Afonso Celso, Visconde de Ouro Preto. Em poucos minutos, porém, sem conhecer resistência derrubou o Imperador pelo qual tinha imenso respeito, para se tornar chefe do Governo Provisório.

A instituição do regime republicano foi determinada pelo Decreto nº 1, de 15/11/1889, redigido por Rui Barbosa. Prescrevia o Art. 1º: “Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de governo da nação brasileira – a República Federativa”. O Art. 2º completava: “As províncias do Brazil, reunidas pelo laço da federação, ficam constituindo os Estados Unidos do Brazil” (sic).

O nome República dos Estados Unidos do Brasil refletia a realidade. De Monarquia passamos a República Federativa constituída pela união das antigas províncias, convertidas em Estados. Os presidentes e os integrantes das Assembleias Legislativas estaduais seriam eleitos diretamente, mantendo-se o Poder Judiciário cujas decisões ficavam protegidas contra intervenções da Justiça federal (Art. 62).

A autonomia dos estados se revelava de maneira nítida no Art. 5º, cujo texto dizia: “Incumbe a cada estado prover, às expensas próprias, as necessidades de seu governo e administração; a União, porém, prestará socorro ao estado que, em caso de calamidade pública, assim o solicitar”. A competência para decretar e arrecadar os impostos sobre exportação de mercadorias de sua própria produção, imóveis rurais e urbanos, transmissão de propriedade, indústrias e profissões e cobrar as taxas determinadas pelo Art. 9º, garantia-lhes a autonomia financeira, como é próprio de república federativa constituída pela união dos estados membros.

O golpe de 3 de novembro de 1930, liderado por Getúlio Vargas, na época presidente do Estado do Rio Grande do Sul, alterou os rumos da história. A se acreditar nas anotações por ele feitas no Diário 1930-1936 (Ed. Siciliano-FGV, 1995) a viagem de trem iniciada dia 3 em Porto Alegre, concluída no Rio de Janeiro no dia 30 do mesmo mês, transformou-se em agradável passeio. Não houve resistência, salvo de isoladas unidades do Exército comandadas por briosos generais legalistas. Ficou famosa a batalha de Itararé, porque não houve.

Na condição de comandante do movimento revolucionário, Vargas editou o Decreto nº 19.398, de 11/11/1930, autonomeou-se Chefe do Governo Provisório e só entregou poder  15 anos depois, destituído pelo golpe de 29 de outubro de 1945. A era Vargas se caracterizou pela destruição da nascente democracia e do regime federativo. O modelo presidencialista autoritário e centralizador, por ele implantado não foi extirpado pelas constituições posteriores á Carta de 1937. A perda de autonomia tributária por parte dos Estados prejudicou os mais desenvolvidos sem oferecer benefícios aos estados pobres, cada vez mais dependentes de aportes da União.

À reforma tributária em andamento falta definição. São várias propostas conflitantes, nenhuma convincente. Pelos erros pagará o indefeso e empobrecido contribuinte. Acautelem-se viúvas, pensionistas, aposentados, pais de família, profissionais liberais, desempregados e autônomos. Vem por aí, anunciado pelo sinistro Dr. Paulo Guedes, brutal aumento de impostos com o nome de Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Como sempre, o povo pagará os desperdícios de Brasília.

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Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho, presidente do Tribuna Superior do Trabalho (TST), autor de A Falsa República

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