Alexandre Padilha
Professores e estudantes estão sendo convocados a retornar às aulas presenciais ainda em meio ao crescimento do número de casos e óbitos da covid-19 no país.
Embora se passe a ideia de estabilidade e normalidade, na última semana registramos o recorde de casos e mortes, ultrapassamos 2,5 milhões de casos e mais de 90 mil óbitos. Como médico, defensor da vida, professor e pai de uma menina de cinco anos, estou muito preocupado com anúncio de governantes sobre o retorno das aulas presenciais.
Sou absolutamente contrário a essa ideia no momento em que ainda estamos da pandemia. Precisamos aproveitar a vantagem de aprender com as experiências dos países que enfrentaram a covid-19 antes de nós e como fizeram o processo de reabertura de suas atividades, inclusive as escolares.
Não podemos pensar no país como um todo e cada região tem uma realidade diferente na progressão da pandemia e qualquer decisão de reabertura deve ser baseada nesse critério. Os países do hemisfério norte que fizeram processos de reabertura responsável, não retomaram suas atividades, sobretudo as que geram maior concentração como as aulas presenciais, sem que uma região apresentasse 14 dias consecutivos de redução sustentada do número de casos confirmados e suspeitos, o que não é a realidade do estado de São Paulo e muito menos do Brasil.
Somos o único país do mundo que apresenta há semanas consecutivas mais de mil óbitos por dia, nenhum outro país do mundo teve este registro, o que mostra claramente como o país, o governo federal, apresenta respostas incorretas na condução da pandemia. No estado de São Paulo, por exemplo, a curva de óbitos diários se equivale a queda de um Boeing.
Apresentei o projeto de lei 2430/2020 que está em debate na Câmara dos Deputados, já foi aprovado na comissão externa que acompanha as ações de enfrentamento da covid-19 e aguarda entrar para votação no plenário, que é inspirado em experiências internacionais, estabelece critérios rigorosos, claros e seguros para a criação de diretrizes nacionais para a retomada gradual das atividades econômicas e comerciais.
Para terem uma ideia, neste projeto, a discussão da retomada das aulas presenciais só é feita na terceira fase de redução sustentada de casos suspeitos e confirmados por 14 dias, ou seja, só após a região apresentar 42 dias de queda é que se pode pensar em retomar as aulas.
Além disso, para que as escolas voltem a receber professores e alunos, alguns critérios são fundamentais. O primeiro é a garantia de melhorias na infraestrutura, tanto na rede pública estadual quanto na municipal. O Tribunal de Contas do Município de São Paulo apresentou uma pesquisa recente que mostrou que as escolas não apresentavam ao menos papel higiênico ou sabonete líquido suficiente. Pais e professores não podem aceitar a retomada sem a clareza no investimento de infraestrutura para prevenção.
O segundo ponto é a mudança no processo interno da escola que deverá ser totalmente reformulado para reduzir o contato entre as crianças. Há que se ter muito mais profissionais para o monitoramento da redução de contágio. O terceiro aspecto é a preparação da área da saúde, neste processo há que se ter mais testagem e monitoramento dos casos, o que não vem acontecendo.
O último ponto que considero muito importante são as estratégias com critério da faixa etária. No processo de retomada das aulas presenciais os países do hemisfério norte iniciaram pelo ensino superior, depois parte do ensino médio e sendo o ensino infantil por último. Quando se é mais novo, mais difícil de controlar o contágio.
Todos esses pontos são medidas preconizadas por órgãos internacionais, sem a obediência a esses critérios, colocaremos em risco os professores, adolescentes, crianças, suas famílias e os levaremos a um abatedouro.
Além disso, onde não é possível retomar aulas presenciais, o poder público tem que assumir a responsabilidade de acolher as crianças em situação de vulnerabilidade, promover formas de aprendizagem para quem não tem acesso a internet e reorganizar o ano letivo para que ninguém seja prejudicado.
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Alexandre Padilha, médico, professor universitário e deputado federal (PT-SP).