Ignorância suicida

José Renato Nalini

 

O mundo em frangalhos após a pandemia é um atestado eloquente da indigência ética em que mergulhou antes da peste. O Brasil é um caso emblemático. Tudo começou por afastar a ética do comportamento rotineiro. Na política partidária, que já vinha cambaleando pela falência da Democracia Representativa, mas também na conduta de parcela considerável do empresariado. O descompromisso com a idoneidade, o desprezo pela verdade e pelo próximo, tudo convergiu para imergir a nacionalidade num redemoinho de desesperança.

Por ignorância, o País deixou de mostrar ao restante do planeta que este imenso território poderia ser a resposta à crescente ameaça de cataclismo ambiental. Detentor da última grande floresta tropical, de manancial precioso de água doce, da maior biodiversidade da Terra, preferiu destruí-lo e exibir ao mundo civilizado o quão primitivo é o seu pensar.

Deu-se o recado “liberou geral” e a criminalidade organizada atendeu prontamente ao estímulo. Queimou-se mais nos últimos meses do que durante anos seguidos. O garimpo explodiu. A reação às falas de incentivo à eliminação do nosso patrimônio natural foi prestigiar quem estaria a proteger a economia. Que economia é essa que mata a galinha dos ovos de ouro?

Foi preciso que a lucidez internacional clamasse para uma espécie de reação tardia e ainda inebriada de desfaçatez. As queimadas, a destruição do verde, a liberação do remanescente da Mata Atlântica para exploração suicida é tudo uma questão de “narrativa”. Em lugar de usar os recursos do Erário para impedir a continuidade da chacina ecológica, o plano é utilizá-los para uma comunicação eficiente. Como se o mundo civilizado ignorasse os fatos para aceitar a versão de quem provocou o desastre.

Não é de discurso que o Brasil precisa. Nem de propaganda. A melhor propaganda é o efetivo recuo e o retorno a uma fase em que já fomos considerados o modelo de tutela ambiental para o século 21.

O Instituto Europeu de Administração – INSEAD liderou movimento de mais de trinta empresas que oficiaram a oito embaixadas brasileiras um ultimatum: ou se adere a uma clara mudança de rumo – não de discurso – ou eles vão deixar de investir no Brasil. Outros 230 fundos de investimento já haviam advertido o governo brasileiro de que as queimadas na Amazônia prejudicam a humanidade e não é uma questão de soberania brasileira.

Não houve mudança na política estatal. Ao contrário. Desmanche de estruturas de proteção. Punição a quem tenta coibir a atuação dos delinquentes ambientais. Ironia em relação a manifestações pró-natureza no restante do globo. Ofensas verbais a governos estrangeiros. Sob aplauso de um empresariado que não percebe que está cavando a própria sepultura.

A consciência ecológica se tornou o tema de maior relevância para o mundo que já enfrenta as consequências do descaso. A plataforma eleitoral do Partido Democrático nos Estados Unidos está chamando a juventude a perfilhar uma proativa opção pela cultura preservacionista. As eleições francesas provaram o crescimento da preocupação ambiental e fenômeno idêntico ocorre na Alemanha.

Só o Brasil oferece o espetáculo melancólico de um acelerado retrocesso na proteção de seu maior tesouro. A sensatez da Ministra da Agricultura parece voz fraca a ecoar no deserto. Deserto de ideias, mas também a mostrar o que acontecerá com este país, se não houver cobro para a orquestrada e inclemente ação contra o ambiente.

É muito difícil para a obscura mente de quem só enxerga dinheiro a curtíssimo prazo e para quem foi desprovido de sensibilidade para compreender que a morte da natureza é suicídio da humanidade, entender o que está em jogo. Que tragédia para essas inconsciências não entender que floresta em pé dá lucro, que os investimentos sustentáveis são duradouros, que não há tempo a perder e que a insanidade produz efeitos imediatos. Antigamente os incautos se conformavam com a perspectiva de que a vingança da natureza demoraria um século. Agora, as respostas são muito próximas.

Que os indivíduos sensíveis se articulem e exijam respeito ambiental. A vontade da Nação está contida no artigo 225 da Constituição da República e quem não respeita esse dispositivo está a serviço de uma ignorância suicida. Nossas crianças não merecem esse cruel e trágico destino.

_______

José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove, autor de “Ética Ambiental”, 4ª. Ed., RT-Thomson Reuters.  

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima