
A audiência pública realizada na Câmara Municipal de Piracicaba para a discussão do funcionamento da regulação de vagas na saúde terminou com o pedido para que haja mais transparência na forma como a sociedade pode acompanhar o serviço. A medida não só garantiria a todos a noção do tempo de espera na fila por exames e consultas, como forneceria um panorama sobre os atendimentos mais requisitados e a necessidade de investimentos para ampliar a oferta deles.
As conclusões vieram com o debate convocado pela vereadora Rai de Almeida (PT), na sexta-feira (21), que reuniu médicos, profissionais da saúde, pessoas ligadas à área e usuários da rede. Entre os presentes, estiveram o secretário municipal de Saúde e também vice-prefeito, Sérgio Dias Pacheco Junior, o presidente do Conselho Municipal de Saúde, Paulo Soares, e a deputada estadual Ana Perugini (PT), que coordena na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo a Frente Parlamentar do Sistema Cross, a qual, instituída em 2023, vem realizando audiências públicas nas Regiões Metropolitanas para discutir melhorias no serviço de regulação.
Cross é a sigla para Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde. Trata-se de uma equipe com médicos, enfermeiros e agentes de apoio administrativo, capacitada em regulação, que recebe as solicitações de recursos (como são chamados os pedidos por exames, leitos e consultas, por exemplo) inseridas no Siresp (Sistema de Regulação do Estado de São Paulo) pelos estabelecimentos de saúde vinculados ao SUS (Sistema Único de Saúde), tais como a Santa Casa e o Hospital dos Fornecedores de Cana, no caso de Piracicaba. A partir disso, a Cross avalia a pertinência da solicitação e classifica e prioriza as necessidades de assistência, visando à busca do recurso requerido no menor tempo possível.
Como esclarece a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, organização social de saúde que responde pela gestão dos recursos humanos e técnicos para a operacionalização da Cross, cabe à Central o encaminhamento dos pacientes para os equipamentos hospitalares de cada região de acordo com a necessidade do paciente, com a complexidade do caso e com as pactuações expressas através de uma grade regional. A existência dos recursos de saúde e a viabilidade das transferências dos pacientes não são de responsabilidade da Central, à qual compete apenas intermediar o contato e possibilitar a busca organizada do recurso, cuja disponibilização cabe às unidades de saúde de referência.
A audiência pública realizada por Rai de Almeida em conjunto com a Frente Parlamentar do Sistema Cross abriu espaço para que os diferentes atores que lidam com o serviço, inclusive usuários, expusessem suas opiniões para o aprimoramento da ferramenta. Outros encaminhamentos feitos pela vereadora, com base nas colocações dos participantes do debate, foram a necessidade de acompanhamento do paciente na etapa seguinte à alta hospitalar, para que o tratamento seja concluído e a pessoa não corra o risco de regredir em sua condição de saúde; a demanda trazida para que hospitais privados também tenham acesso aos dados do Siresp; e a urgência de discutir o papel do Hospital Regional, que não enviou representante à audiência pública.
Rai de Almeida relatou que os vereadores têm “uma demanda imensa” por pedidos que chegam da população referentes a vagas para internação, consultas e exames laboratoriais ou de alta complexidade. A parlamentar disse ter acompanhado o caso de um homem que ficou um ano à espera de cirurgia de próstata e, “mesmo depois de atendido, continuou com o nome incluso na fila”. Ela defendeu que, o Sistema Cross funcionando “da forma correta”, faz que “todas as pessoas sejam atendidas de maneira igual”, sem preterir ninguém. “Temos de buscar como implementar um processo de maior transparência”, defendeu.
A autora do requerimento que convocou a audiência criticou o Hospital Regional por não dialogar, “do ponto de vista sistêmico, com a rede pública”. “O Hospital Regional sempre está deixando a desejar, e não é de agora, é de muito tempo. Mudou a direção de novo lá. O Hospital Regional é um problema, e precisamos buscar a solução; é isolado, como se fosse um ente fora do sistema”, lamentou a vereadora.
Ana Perugini disse haver falhas na Cross. “Esse sistema, quando você entra, você não sabe como está [a fila para ter acesso aos recursos]. E não é só o usuário, mas também o profissional de saúde. Isso não vem acontecendo e as denúncias são inúmeras”, afirmou a deputada estadual, citando as reclamações de “falta de transparência” ouvidas nas outras audiências públicas já realizadas pela Frente Parlamentar do Sistema Cross. A coordenadora da Frente apontou a necessidade de regionalização do serviço. “Precisamos lutar para que haja a regionalização, com recursos. Precisamos diagnosticar os equipamentos e os serviços que nos faltam.”
Presidente da Comissão de Direito Médico e Saúde da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Piracicaba, Rafael Lacerda refletiu como a maior transparência do sistema pode consequentemente servir como informação para aprimorar os investimentos na saúde. “A questão da transparência é importante no sentido do controle social, para conseguir vislumbrar o que falta de vaga, o tamanho dessa fila, para enxergar os problemas reais. A transparência vem no sentido de ajudar a aprimorar a política pública, ter um diagnóstico preciso de como estão as nossas especialidades, os atendimentos em nossos municípios.
Sérgio Pacheco Junior reiterou sua defesa pelos três princípios que norteiam o SUS: universalidade, equidade e integralidade. “Saúde é uma demanda infinita: o tempo todo as pessoas ficaram doentes; vez por outra, temos oscilações no serviço e disso decorrem filas. Eu não tenho lado: sou secretário do município e tenho como obrigação moral e ética atender a todo cidadão de maneira igual. Ou seja, muitas das coisas que já ouvimos sobre fura-filas e jeitinhos, absolutamente isso não é permitido, pelo menos enquanto eu estiver à frente da Secretaria de Saúde. Temos um link para atender o vereador na secretaria, como porta-voz daquele que não sabe como chegar àquele serviço, mas respeitando sempre o processo de fila”, esclareceu.
O secretário e vice-prefeito disse que a atual administração tem os objetivos de aumentar o número de unidades básicas de saúde e de especialistas atuando nelas. Ele ressaltou que, “pela primeira vez na história, temos médicos em todas as unidades de saúde do município”, em resposta aos momentos em que os serviços sofreram com a falta de profissionais. “Naturalmente há falhas e as estamos corrigindo: tanto problemas prediais, com obras antigas e até a interdição de postos, quanto o trabalho de aumento de efetivo e de extensão do horário [de atendimento]”, listou.
Em resposta às dúvidas colocadas pelo público que participou da audiência pública, Sérgio Pacheco Junior reportou que o município passou de nenhum para dois reumatologistas atendendo na rede (um no Postão do Centro e outro no Centro Integrado de Saúde, inaugurado recentemente, em parceria com a Santa Casa e a Faculdade Anhembi Morumbi), de modo que as maiores filas hoje por atendimentos são de ortopedia, dermatologia e endocrinologia. Ele também fez menção ao Cismetro, consórcio regional que fornece especialistas demandados pelo município. “Recorremos ao consórcio para dar vazão à fila até haver concurso. Os especialistas hoje se sentem mais confortáveis a virem pelo consórcio. É uma necessidade que se faz presente”, comentou, em relação ao salário menor antes pago aos médicos vindos de concursos, em razão do limite de teto que perdurou até dezembro.
Sobre a estrutura para a operação dos serviços de saúde em Piracicaba, o secretário e vice-prefeito disse ter ido fiscalizar “todas as obras” de unidades que estão passando por reformas, como a do Eldorado. “O governo anterior acabou contratando processos licitatórios de reforma de várias UBSs: nove estão em andamento e cinco estão por iniciar. Só que eram para ter iniciado em abril e ter finalizado em novembro, mas não houve fiscalização adequada, assim como a mesma empresa venceu seis licitações e ficou sem pernas para dar conta dessas obras. Vamos entregar ou em 29 de março ou na segunda quinzena de abril. Fomos visitar obra por obra e cobrar da empresa, ameaçamos pelo não cumprimento do contrato, pelo não-pagamento do que foi contratualizado.”
O transporte dos pacientes para tratamentos fora de Piracicaba também está recebendo atenção da administração. “Há um sucateamento muito grande dos transportes do município: a maioria dos veículos é de 2004, 2006, com muitos com mais de 500 mil quilômetros rodados. Estamos revendo a nossa frota e toda a parte logística de transportes. Temos um sistema de logística na Saúde que já estamos adequando para que as pessoas possam ir de manhã [para um atendimento fora] e voltem de manhã. É um trabalho de ‘formiguinha’ e nosso compromisso é resolver essa situação.”
Paulo Soares reiterou que o papel principal do Conselho Municipal de Saúde, que ele atualmente preside, “é fiscalizar, acompanhar e ajudar nas políticas públicas do município”. “Neste governo, nosso colegiado tem sentido um respeito maior pelo conselho; temos agora todas as nossas perguntas sendo respondidas, o que não vinha acontecendo”, ponderou. O presidente do CMS citou ser de 30% o índice de não-comparecimento a consultas e exames na rede pública de saúde. “Faço um apelo ao munícipe, que, se não for comparecer, que comunique, para que o próximo da fila não perca chance de ser atendido.”