Cecília Meirelles: educada pela sua avó

Armando Alexandre dos Santos
No último final de semana, ocorreu em nossa cidade a 5ª. Feira Literária de Piracicaba, organizada sabe Deus com quanto esforço, idealismo e dedicação, por um pequeno número de idealistas. Sem a menor sombra de dúvida, foi a melhor e a mais bem sucedida das FLIPIRAs.
Fui convidado a falar, na sessão de abertura, sobre Cecília Meirelles, uma das autoras especialmente homenageadas; a outra homenageada foi  nossa saudosa amiga Ana Marly Jacobino, poetisa bem conhecida e admirada aqui em Piracicaba, por seu talento, sua simpatia, sua incrível dedicação à causa das Letras em Piracicaba. Se viva estivesse, com certeza estaria na FLIPIRA, integrando com brilho sua comissão organizadora.  Ela já não está entre nós, mas permanece conosco, na nossa memória e nas nossas saudades.
Já Cecília Meirelles é diferente. Ela é nacionalmente muito mais conhecida do que Ana Marly Jacobino, mas já deixou este mundo há 60 anos, já são poucos os vivos que a conheceram pessoalmente e com ela privaram, ela já passou da vida para a História… Por isso, foi a Cecília Meirelles que a organização da FLIPIRA quis especialmente homenagear na palestra de abertura.
Cecília Benevides de Carvalho Meirelles nasceu no Rio de Janeiro, a 7 de novembro de 1901, e faleceu vitimada por um câncer na mesma cidade a 9 de novembro de 1964, com 63 anos e dois de idade.
Já nasceu órfã de pai, pois seu genitor, Carlos Alberto de Carvalho Meirelles, antigo funcionário do Banco do Brasil, havia falecido meses antes. e sua mãe, D. Mathilde Benevides Meirelles, professora primária, faleceria quando Cecília tinha apenas 3 anos de idade, passando a ser criada pela avó materna, D. Jacinta Garcia Benevides, uma portuguesa natural do Arquipélago dos Açores.
A morte parecia rondar aquele núcleo familiar. Antes de Cecília nascer, já tinham morrido seus três irmãos mais velhos. O resultado desse conjunto de acontecimentos é que Cecília foi educada pela Avó, de modo inteiramente isolada, sem outros parentes ou relacionamentos. Foram as histórias e as recordações da avó, completadas apenas por uma babá de nome Pedrina, que formaram Cecília.
Cecília teve, portanto, uma educação isolada, proporcionada por uma pessoa de uma geração bem anterior. E com a morte (e, portanto, a noção muito viva da precariedade da nossa existência) rondando à volta. Tudo isso explicará muito da formação psicológica de Cecília.
É sabido que crianças educadas por pessoas da geração de seus avós, assim como crianças filhas de pais muito mais velhos, desenvolvem uma psicologia especial. São crianças diferenciadas, de certa forma meio deslocadas na sua própria geração, porque têm uma cosmovisão mais abrangente e ampla do que a de sua própria geração, e por isso compartilham um universo cultural mais rico, mais amplo e diversificado, cultivando valores permanentes.
Ao mesmo tempo, muitas vezes essas crianças ao mesmo tempo se revelam extraordinariamente precoces mas, paradoxalmente, conservam algo da sua infância ao longo de sua vida inteira. Nunca deixam de ter dentro de si algo de criança, com aquela visão encantada e encantadora, e com aquela criatividade infantil e aquela fecundidade de espírito que só as crianças têm e que nós, adultos, infelizmente perdemos.
Uma pessoa que era assim era o meu saudoso amigo Paulo Bomfim, Príncipe dos Poetas Brasileiros e de São Paulo, profundo admirador de Cecília Meirelles. Cresceu convivendo com sua avó e conviveu, na infância, com homens e mulheres muito mais velhos, que haviam nascido no tempo do Império. E até nos deixar, quase centenário, sempre foi atemporal e, paradoxalmente, manteve-se com algo de criança. “Sou um menino que cresceu por distração”, declarou num poema. O mesmo se podia dizer de Cecília. Até morrer, aos 63 anos de idade, escreveu e produziu tanto… que não teve tempo para deixar de ser menina!
Esse universo cultural riquíssimo e diversificado é uma característica de toda a obra de Cecília. Nada de humano lhe era estranho.
Na última entrevista que deu, no ano mesmo de sua morte, Cecília declarou ao jornalista Pedro Bloch: “Tenho um vício terrível” — me confessa Cecília Meireles, com ar de quem acumulou setenta pecados capitais. “Meu vício é gostar de gente. Você acha que isso tem cura? Tenho tal amor pela criatura humana, em profundidade, que deve ser doença.”
Licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia
Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba.
Frase a destacar: “Meu vício é gostar de gente. Você acha que isso tem cura?”

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