Na mesma moeda!

Camilo Irineu Quartarollo

 

Um personagem lendário de Piracicaba-SP, Nhô Lica, catava pedras na beira do rio e as julgava preciosas. Trazia um saco delas e as guardava diligentemente na Caixa Econômica, pois o gerente deu um jeito de não o contrariar, pondo no cantinho do cofre da instituição. No amanhecer do Piracicaba qualquer pedra rebrilha ao sol, ali era tudo precioso. Esse personagem por vezes era perseguido pelas crianças, mas repreendidas pelas mães. Ia com suas pedras de tolo, mas não “pagava na mesma moeda”, não se vingava.

Os países têm seu dinheiro próprio, representado não por pedras, mas pela moeda nacional. Quando o Brasil compra de outros países, fertilizantes, peças de veículos, medicamentos, computadores, celulares, tem que pagar em dólar, contrair dívida. Um dólar vale mais que o real e, então, precisa de mais reais para comprar esses produtos. Se fosse a mesma moeda no mundo todo, era só digitar a chave e pronto, num PIX. Entretanto, o que se tem é conversão das moedas e o sistema de pagamento internacional entre bancos, o Swift.

O problema do câmbio e juros não é tão novo. Na idade média, se alguém cobrasse juros ia para fogueira da Inquisição. Entretanto, a família florentina dos Médici se safou da fogueira e lucrando pelo câmbio de moedas. Uma manobra com a moeda forte da época, o florin. Em nota cambial, os Médici emprestavam mil florins ao empresário inglês e recebiam a taxa de 40 esterlinas por florin, quarenta mil esterlinas pelos mil florins. De Florença, a família Médici fez papas por quase um século e com poder político para impor a sua taxa de câmbio, sem a pecha de agiota. Atualmente, se for à Itália ou à Paris com reais, não vai comprar nada lá. Somente compra se usar Euro ou dólar. Vai ter de “comprar dólares” por 5,61 reais para cada dólar – mas a Monalisa não está rindo disso, hein.

Quem ri são os rentistas, os super ricos e intocáveis em suas vidas de luxo e de supérfluos, que no Brasil quase não pagam impostos. Estes não querem criar vacas, mas negociar a vaca alheia sem sujar o sapato. Especuladores ou rentistas, os que somente vivem disso, moedas.

Enquanto para investidores a economia é sinônimo de ganhar mais, para o pobre a economia virou sinônimo de parar de consumir ou vender o jantar para comer o almoço. Na verdade, economia é riqueza, bem-estar, educação, saúde, vida, não mera acumulação egoísta.

Cresce a ideia de uma economia mais equânime e justa, de se pagar na mesma moeda, porém, uma comum em países com negócios recíprocos. Uma que tenha valor e aceitação dessas nações, as quais se equilibrarão sem a hegemonia draconiana do dólar e seu sistema de pagamento. Tal prática já existe em escala crescente entre países do bloco do Brics. Havendo a moeda comum, os bancos centrais fariam um PIX e pronto, na mesma moeda.

 

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor, ensaísta, cronista, editor de livros digitais e físicos, e autor do livro Contos inacreditáveis da Vida adulta

 

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