Entre telas e céus: a liberdade de sonhar 

Juliana Camargo Gonçalves

Muito me entristece imaginar que, talvez, as crianças de hoje nunca saibam a felicidade que é encontrar uma pedra de calcário para rabiscar o asfalto. Ou que talvez nunca sintam a ansiedade de chegar logo na escola para trocar figurinhas. Manhãs de desenho animado com sabor de achocolatado, tardes com gibis e bolinhos de chuva e noites de contar histórias, onde a imaginação corria solta e o céu era o limite.

Não havia a necessidade de uma resolução imediata para as coisas do mundo e “notificação” era uma palavra muito distante do vocabulário infantil. As crianças de hoje têm o mundo nas mãos – e não no formato de bola ou pipa que divaga pela imensidão azul, mas por uma tela brilhante.

O asfalto? Hoje é raramente tocado. As aventuras de verdade acontecem no mundo digital, onde um deslize de dedos abre portais para qualquer lugar no mundo. A imaginação que antes corria solta, hoje anda sossegada. Não precisa de muito esforço. Os passos para fora de casa foram limitados por poucas polegadas de um mundo obscuro. O quintal ficou vazio e o silêncio é entrecortado por sons artificiais nas tardes que antes, eram de gritos e correria.

Não julgo as crianças e nem os adultos, acho que a tecnologia facilitou muita coisa mesmo, há muito para aprender e descobrir com ela. Ela realmente oferece horizontes que eram inimagináveis antigamente. Mas, será que, em meio a tanto brilho, não se perdeu um pouco do fascínio pelo que é simples? Pelo vento no rosto, pelo suor quente, pela lama nos pés, pelo prazer de se sujar sem se importar?

Acho que todas as crianças têm uma coisa em comum, algo de atemporal: o anseio de explorar. A diferença é que antigamente, as crianças exploravam o mundo ao seu redor. Hoje, exploram seu infinito mecanizado. Quem sabe ainda haja tempo de equilibrar os dois universos? Quem sabe ainda não façam valer o prazer das boas companhias e risadas. Talvez o futuro reserve um reencontro entre esses dois mundos. Ainda acredito que as telas possam ensinar, mas sem a necessidade de roubar o valor e o encanto da terra nos pés e do vento nos cabelos. Tenho esperança de que as mãozinhas que hoje deslizam sobre vidros frios ainda voltem a segurar pipas no ar, sentindo a liberdade e a felicidade genuína de poder ser o que a imaginação permitir.

A infância, afinal, sempre encontrará seu caminho para florescer. Seja no calcário que risca o asfalto, nas brincadeiras embarcadas pelo poder precioso da mente de quem enxerga o mundo com outros olhos, ou até mesmo nas telinhas virtuais. O que realmente importa é que o riso ecoe, e que o brilho das telas se misture ao das estrelas. Nunca existiram limites para as mentes mais brilhantes do mundo. Acho que essa seria uma definição exata da infância: liberdade. Livre para ser, pensar, existir e viver.

Quem sabe, quando o sol de um final de tarde banhar o asfalto de laranja, haja ainda espaço para o rastro de um giz esquecido, desenhando nas ruas, não o passado ou o futuro, mas o eterno presente de ser criança. O eterno presente de ser livre para sonhar.
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Juliana Camargo Gonçalves, estudante e pesquisadora de Letras português e francês da USP

 

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