A figura controvertida do General Santa Anna

Armando Alexandre dos Santos

 

Para se compreender como o México, pouco depois de conquistar sua independência da Coroa espanhola, perdeu quase a metade do seu território para os Estados Unidos, é indispensável caracterizar e situar bem a pessoa de Antonio López de Santa Anna (1795-1877), personagem controvertido, admirado e desprezado, elogiado e criticado sempre apaixonadamente.

Quem era ele? Era um típico representante da chamada “nobreza da terra”, ou seja, era caracteristicamente um membro da elite social mexicana, da aristocracia “criolla” proveniente dos tempos coloniais. De um modo geral, quase todas as nações da América Central e da América do Sul tiveram processos de independência conduzidos pelas elites locais, que asseguraram o elemento de continuidade e atenuaram o caráter de ruptura com a situação anterior. Foram processos de ruptura política, mas de continuidade social e econômica.  No caso do Brasil, mantivemos até a forma monárquica e a dinastia de Bragança, permanência essa que determinou uma evolução política e institucional bastante diferenciada dos países hispano-americanos; na maior parte dos novos países, foram constituídas repúblicas conduzidas pelos antigos “nobres da terra”, proprietários rurais (“tierratenientes”) poderosos, muitas vezes bem armados e no comando de verdadeiras tropas privadas; no caso do México, ocorreram hesitações entre a instalação de uma república e as tentativas de um regime coroado, inicialmente com Agustín de Iturbide (1822-23), mais tarde com Maximiliano de Habsburg (1864-1867). Instaladas as novas nações, principiou nelas o entrechoque das chefias. De início, as divergências eram predominantemente de caráter pessoal e de mera disputa pelo poder, mas logo foram se estabelecendo distinções de cunho mais ideológico, dando origem à clássica oposição entre conservadores e liberais (blancos y colorados). Mais tarde apareceram também líderes mais populistas e radicais, rejeitando o predomínio sócio-econômico das elites. No caso do México, exemplo típico de um desses líderes foi o índio Benito Juárez, presidente de México entre 1858 e 1872. Todo o novecentos latino-americano, dede o México até o Chile, foi marcado por entrechoques entre essas várias tendências, com o caudilhismo dando a nota dominante.

Concretamente, Santa Anna era, acima de tudo, um líder personalíssimo. Sua bandeira era sua própria pessoa. Politicamente, ao longo dos 82 anos de sua vida, oscilou entre as mais diversas tendências, sem coerência ideológica ou fidelidade partidária. Ocupou a presidência da república 11 vezes, participou de numerosos levantes e “pronunciamientos”, aliando-se a adversários da véspera ou combatendo antigos aliados. Militarmente, demonstrou possuir valor e coragem, mas era mais um caudilho do que um militar propriamente dito, sendo muitas vezes derrotado (seus admiradores o chamavam como “o Napoleão das Américas”, enquanto os inimigos preferiam designá-lo como “o herói das quarenta derrotas”). Iniciou a vida pública combatendo Iturbide em nome do republicanismo, mas aceitou o título e o tratamento de “Alteza Sereníssima”. Nos meios anglo-saxônicos a visão de Santa Anna é sempre pejorativa, em consequência de sua participação na guerra Estados-UnidosXMéxico. Essa visão pejorativa e caricata foi largamente difundida pelo cinema, especialmente com o clássico filme “The Alamo”, de 1960, dirigido e encenado por John Wayne e premiado com o Oscar.

 

Santa Anna teve participação no processo de independência do México, mas sua atuação foi mais importante e significativa no processo de independência do Texas em relação ao México, iniciado em 1836, e na guerra entre México e Estados Unidos (1845-48).

Um elemento importante a considerar era o expansionismo territorial norte-americano. As primitivas colônias inglesas, que se tornaram independentes em 1776, foram gradativamente se estendendo para o sul e para o oeste, incorporando novos territórios, por vezes conquistados aos indígenas, por vezes comprados à Espanha, à França ou até ao Império russo (no caso do Alasca). O Texas era cobiçado pelos norte-americanos, que fizeram várias propostas de compra, ao governo mexicano, iniciando as ofertas por um milhão de dólares, depois propondo pagar 5 milhões e, numa última oferta, oferecendo 15 milhões. Foram todas rejeitadas pelos mexicanos, o que determinou afinal a guerra entre Estados Unidos e México, em consequência da qual o Texas se tornou um Estado norte-americano, apesar da forte oposição dos autonomistas texanos, que se sentiram logrados pela vitória de Washington. Prosseguiremos.

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