Eduardo Simões
O nosso presidente é reconhecidamente um grande artista, como de resto todos aqueles que montaram uma enorme tenda circense em Brasília, onde em cada função eles fazem dinheiro desaparecer como por um passe de mágica, sempre que vão emendar, algo desaparece. Primeiro desaparece a vergonha na cara, o resto segue por gravidade.
Numa de suas peças, meio propagandistas, meio teatrais, a gente nunca sabe quando estão falando sério, nosso presidente deu-nos a certeza de que no seu governo, o consumo de picanha e cerveja gelada, em especial aquela que vem acompanhada de uma capa e gordura que se desmancha nos dentes, seria tratada como se fosse um direito humano. Como ele mesmo disse: “todo mundo tem direito”. Com aquela voz rouca e gutural, de quem engoliu o líquido da garrafa com tampinha e tudo. RRRRôôôô.
Que todo mundo tem direito a isso nós já sabemos. O problema é a frequência com que se come ou com que se toma. Deus me livre, não me entendam mal. Mas o contexto da fala parecia indicar que a frequência seria muito maior do que havia sido até ali, a campanha eleitoral de 2022. Ninguém é contra a picanha, venha de onde vier, picanha não tem ideologia, nem cansa seus fãs com promessas vazias e discursos enfadonhos. Mas a realidade tinha outros planos.
Com o passar do tempo, a única coisa que vimos aumentar foi o imposto sobre tudo, e é claro, como consequência, o preço das coisas, o que implica, na redução do consumo, o inverso do que foi prometido. O nome disso é regra de três composta, e se você não está entendendo, culpe o seu professor de matemática. Dito de outra maneira, jogaram água no chope e para acompanhar esse desastre, o presidente, que não pode incentivar o consumo de álcool numa concentração maior que 5%, calou-se sobre a cervejinha, mas lembrou aos pobres que ainda lhe resta o pé de frango, para não falar daquilo que fica sobre aquela coisa, do frango, podia até chamar de sambiquira, mas aí perdia graça.
A essa sugestão, a maior rede de televisão chapa branca do Brasil entrou no ar para lembrar aos pobres decepcionados, e ao high society emergente, que pé de galinha tem muito colágeno, uma substância maravilhosa, principalmente para conter os efeitos do envelhecimento, como o surgimento de estrias e rugas, mas olhando para o pé da galinha a gente não fica muito animado. Pelo menos a unha serve para limpar entre os dentes. E não me venham com nojo pois todo mundo já comeu algo com ovo.
Alguém até falou que a picanha virou pé-canha, mas quem vai aguentar beber a marvada com todo esse calor? O presidente tem ar-condicionado e para nós só há comprimido.
Finalmente saiu um informe elucidativo, dando cabo das ilusões criadas com a volta do boêmio. Pesquisa apresentada no site do jornal do Comércio de Porto Alegre, em 27.09.2024, aponta que cresceu o número de pessoas que compra comida nos supermercados a crédito. O número ainda é pequeno, mas preocupa e desmente o teatro-propaganda-fantasia que sai de Brasília. O avião presidencial que não me deixa mentir.
A promessa original era picanha e cervejinha bem gelada para todos, e o que temos agora é arroz e feijão à prestação. E depois o governo fica indignado quando as pessoas começam a tirar dinheiro do bolsa família para jogar nos cassinos digitais.
E já que o negócio é proibir, porque o governo não proíbe a fabricação de cofres de porquinho e não começa a fazê-los como tigrinhos. Talvez o povo poupe mais, pensando que está jogando.
A esperança entre nós é a última que morre, porque está sempre chegando atrasada.
——-
Eduardo Simões, professor aposentado.