Azar no jogo e na vida

Lucas Freire

Existe um ditado popular que diz “sorte no jogo, azar no amor”. No entanto, o panorama atual nos mostra que entrar no mundo das apostas online pode significar perdas irreversíveis em todas as esferas da vida. Para o algoritmo, não existe sorte.

A ludopatia – ou vício em jogos de azar – vem sendo discutida por especialistas de diversas áreas e já prejudica jogadores no trabalho e nos relacionamentos. O cenário reflete um sério problema na saúde mental e acende o alerta para as consequências no dia a dia daqueles que não conseguem abandonar o vício.

Dados do INSS indicam que os afastamentos do trabalho em consequência da ludopatia cresceram 350% em três anos. Esse transtorno, em que a pessoa não consegue estabelecer limites ao jogar, ganha força com o apoio das redes sociais, espaço amplamente usado para divulgar jogos de azar. É lá que influenciadores indicam as plataformas de apostas online como “investimento”.

A pessoa dependente do jogo costuma passar horas imersa nesse universo e pode gastar muito dinheiro, o que compromete sua vida financeira, profissional, familiar e social. Essa rotina representa, também, perda de tempo, energia e saúde e é facilitada porque, hoje, basta apenas um clique para se inserir no mundo das apostas. A condição afeta a produtividade dos colaboradores, representa perdas salariais, e até patrimoniais, e acaba por abalar casamentos.

Como psicólogo do Trabalho, tenho visto situações muito tristes, como o aumento da agiotagem entre colegas, o que eleva o risco de violência e de uma série de problemas. As pessoas estão perdendo os bens e comprometendo toda a sua renda por conta dessa lógica perversa, que publiciza os jogos de azar de maneira que atinjam, sobretudo, as camadas mais vulneráveis. Na busca por uma resposta rápida para a situação financeira, esse grupo entra nas plataformas e não consegue sair.

É importante frisar que hoje nós lidamos com uma ferramenta muito mais forte para atrair as pessoas, que são os algoritmos. Anos atrás, quem quisesse ir a um cassino enfrentava todo o esforço de sair de casa e ir para um ambiente que, muitas vezes, impõe uma série de condições para os frequentadores.

Agora, o jogo está na palma da mão e é controlado por um algoritmo que certamente conhece seus hábitos e consegue identificar seus desejos. Assim, é fácil criar o que eu chamo de “cativeiros neurológicos”, em que a pessoa é aprisionada na plataforma e não consegue sair.

A princípio, o usuário não se percebe sendo fisgado por esse universo, onde tudo começa com pequenos ganhos, que dão uma falsa ideia de controle ao jogador. Depois, vem a fase da compulsão e das apostas maiores, até não haver mais limites.

Para combater essa realidade é preciso criar estratégias. É importante que a família, os amigos ou colegas de trabalho estejam atentos a esses comportamentos, para ajudar o jogador a entender o que está acontecendo, a identificar o descontrole.

As empresas devem conscientizar seus colaboradores com educação, alertando sobre como funciona a captura dos apostadores e para os riscos assumidos ao injetar dinheiro nessas plataformas. Além disso, precisam manter os controles ambientais, estabelecendo limites para qualquer prática relacionada a apostas durante a jornada de trabalho.

Cabe ressaltar que esse é um dos vícios mais brutais da nossa era. Seu potencial de destruição é tão ou mais nocivo do que outras compulsões, pois uma única pessoa jogando pode desestabilizar uma família inteira. A sociedade não deve fechar os olhos para algo que começa como e lazer, mas pode acarretar enorme sofrimento.  O mundo das bets não é brincadeira.

 

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Lucas Freire, psicólogo do trabalho e autor do livro “Playfulness”, empreendedor, escritor, palestrante e professor

 

 

 

 

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