Queimadas: Omissão e fracasso do Governo

Aldo Fornazieri

Não basta ter Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente para que o governo garanta o selo de compromisso com a sustentabilidade ambiental. Não basta ter Sônia Guajajara no Ministério dos Povos Indígenas para que o governo ostente o emblema de responsabilidade para com os povos originários. As queimadas que assolam o país ante a inércia do governo são prova da sua omissão. A falta de demarcação de terras indígenas a leniência com invasões e garimpeiros e outros grupos criminosos também são fatos que testemunham contra o governo. No início de 2024 vimos yanomamis esquálidos tal como vimos no início de 2023. É inaceitável.

Repito o que afirmei em outro espaço: no governo Bolsonaro, o negacionismo ambiental era ideológico. No governo Lula, o negacionismo é omissivo. Acrescente-se: o governo Bolsonaro era inimigo e combatia a ciência. O governo Lula tem ouvidos moucos para com o que diz a ciência sobre da crise ambiental.

O governo não pode alegar surpresa acerca do que vem acontecendo com as queimadas. Os cientistas, há meses, vêm alertando sobre o advento de seca severa. Ano após ano, também, vêm proliferando o aumento de incêndios intencionais, criminosos. O governo não se preparou: não comprou equipamentos em quantidade necessária para combater queimadas, não elaborou planos logísticos de combate, não fez campanhas públicas, não apostou em interação educativa com agricultores e fazendeiros, não capacitou militares, não recrutou funcionários para os órgãos ambientais, não articulou estratégias federativas para o enfrentamento do problema, não interagiu de forma adequada com o Judiciário e com o Congresso para que medidas legais e legislativas eficazes fossem adotadas.

Somente na semana passada, depois de ser empurrado, quase sob vara, pelo ministro Flávio Dino, o governo saiu de sua letargia e adotou algumas medidas já num contexto de fim do período mais forte das queimadas. Com essa passividade, o governo legou à sociedade brasileira uma vastidão de troncos de árvores carbonizados, um país coberto por densa fumaça e por imagens apocalípticas de desaparecimento do sol em pleno dia e uma chuva escura em partes do centro-sul do Brasil.

O Brasil viu dolorosas imagens de animais silvestres e de pássaros sendo queimados pelas chamas. Viu o abnegado esforço de brigadistas, alguns deles também queimados, exauridos pelo cansaço no cumprimento do dever. Dever que não é apenas funcional, mais moral, pois nenhum ser humano sensível pode ficar indiferente com a tragédia das queimadas. Esses brigadistas são os heróis anônimos que deveriam ser condecorados no final do ano. Mas, normalmente, o governo prefere condecorar os áulicos do poder, oriundos de gabinetes climatizados de Brasília.

Milhões de pessoas tiveram, nos últimos tempos, dificuldade para respirar com a combinação do tempo seco e fumaça. Tosse, rouquidão, dor de cabeça e agravamento de doenças respiratórias encheram as unidades de Saúde por todo país. Especialistas alertaram para o aumento de risco de AVC, câncer e infarto. Os particulados produzidos pelas queimadas penetram no coração, pulmões, rins, cérebro e fígado. Circulando pela corrente sanguínea, além de agravar o Alzheimer, podem provocar câncer no médio e longo prazo.

Se o governo tivesse a responsabilidade ambiental que proclama ter, teria dotado o Ministério do Meio Ambiente, o IBAMA e outros órgãos ambientais com equipamentos, pessoal capacitado e treinado e recursos para combater as queimadas. Teria constituído nos estados críticos e nos municípios críticos Comitês federativos com as várias polícias, representantes interministeriais, Defesa Civil, Corpos de Bombeiros, representantes da sociedade civil e das comunidades, representantes dos setores produtivos para definir linhas preventivas de ações.

Mas o que se vê é um governo letárgico, cansado, sem imaginação, sem inovação, claudicante em várias frentes governamentais. Se o presidente Lula está assoberbado com mil afazeres, o ministro Rui Costa não pode deixar que o governo assuma a fisionomia do burocratão lento e lerdo. O governo é um trambolho de 39 ministérios, a maioria dos quais não funciona e não tem chance de funcionar.

O espírito da burocracia leva os governos à indolência, ao descompromisso, à miséria da inatividade e ao fracasso. Geralmente, esse espírito vem acompanhado de soberba e arrogância. Esse espírito sufoca a inteligência e mata a criatividade e a inovação. A emergência climática é um problema que não pode esperar. Precisa de encaminhamentos urgentes na busca de mitigação, resiliência, adaptação e regeneração.

Os custos econômicos e humanos da omissão e da não ação são enormes. São incomparavelmente maiores do que os custos da ação. São bilhões de reais em prejuízos públicos e privados. Os impactos negativos se acumulam e se prolongam no tempo. Empobrecimento do solo, redução da produção de alimentos e inflação climática são alguns desses custos cumulativos e prorrogáveis. As queimadas liberam quantidades absurdas de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, agravando o aquecimento global. Na medida em que as florestas queimam, será reduzido o estoque de árvores para capturar gás carbônico num efeito cumulativo desastroso.

O governo parece não ter percebido que a questão ambiental, a questão das queimadas é uma questão estratégica, de segurança nacional. Além de adotar uma série de medidas necessárias e urgentes, deveria deslocar funções das Forças Armadas para este fim e começar capacitações e treinamentos desde já, além de dotá-las com equipamentos necessários para estas atividades fins.

O presidente do IBAMA, Rodrigo Agostinho, declarou, há poucos dias, guerra contra os incêndios. Essa guerra sempre será perdida se os principais órgãos ambientais do Brasil continuarem como pequenos exércitos de Brancaleone.

O governo Lula começa a pagar um preço político elevado por conta da sua omissão. Crescem as críticas e a percepção de que o governo não se preparou para o enfrentamento dos incêndios. A presidente Lula chegou a reconhecer este fato. As críticas agora florescem em setores que sempre votaram em Lula. A imagem internacional de compromisso para com o meio ambiente vai ficando cada vez mais chamuscada pelas labaredas. Compromisso com o meio ambiente não é só impedir a derrubada da floresta amazônica. Pouco resolve não deixar derrubar se deixa o fogo queimar.

Pesquisa do IPEC mostra que, em abril, 33% da população avaliava que a ação do governo na questão ambiental era boa ou ótima e 33% julgava que era ruim ou péssima. Já em setembro, o ruim e péssimo subiu para 44% e o bom e ótimo caiu para 27%. A desaprovação vem crescendo também entre eleitores do presidente. De forma tímida ainda, os protestos começam a ganhar as ruas.

Chegou a hora de o governo assumir de fato e na prática, não só no papel, o compromisso com uma sustentabilidade forte. Até agora sequer conseguiu demostrar que se compromete com uma sustentabilidade fraca. Precisa ter grandes e exequíveis programas nacionais em várias frentes. Não fará a transição energética se não estabelecer metas e prazos de redução de combustíveis fosseis. Lula III corre o risco de terminar o mandato de forma constrangedora acerca do seu compromisso com a transição ecológica.

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Aldo Fornazieri, professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.

 

 

 

 

 

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