Não havia cadeira nem fascismo na pré-história

Eduardo Simões

Foi com um misto de estupor e admiração que li o artigo do Sr. de Godoy, Cadeirada antifascista, a propósito do doloroso argumento final do jornalista José Luiz Datena. Estupor por não imaginar que houvesse alguém capaz de justificar um ato tão selvagem, e admiração pela “originalidade” da argumentação. A cena lembrou-me um estereótipo dos antigos desenhos animados, quando um troglodita saía arrastando uma mulher pelos cabelos, depois de a golpear com uma clava.

Em um trecho autor tenta justificar a agressão dizendo que “pessoas de caráter não costumam ter sangue de barata”, mas ao dizer isso justifica uma ação semelhante de Marçal contra ele próprio, uma vez que chama aquele, direta ou indiretamente, de “mentiroso”, espalhador de “notícias falsas” (crime no Brasil de hoje), assassino de reputação; “fascista”, homem que vive próximo “da mentira, da falsidade, da prepotência, do escárnio, da ostentação nojenta e repugnante”, etc. enfim tudo aquilo que provocou a reação pré-histórica e pós-histérica de Datena. Marçal está fazendo escola.

Por falar em sangue de barata, eu fui professor de escola pública em São Paulo, e quantas vezes não vi pais na escola, justificando uma agressão bárbara de seus filhos, por causa de um incidente banal com colegas, inclusive contra professores que procuravam retomar o controle da turma, com a expressão: “o meu filho não tem sangue de barata”. Nessas horas eu lembro de uma frase de Gandhi: “olho por olho, dente por dente, e em pouco tempo a humanidade estará cega e desdentada”, ou, no caso brasileiro, estarão todos sentando no chão, com uma terrível dor de cabeça.

Eu me tranquilizo porque sei que existem no Brasil grupos de neo-jacobinos, que se dizem de esquerda, especializados em denunciar a combater ‘gabinetes de ódio’. O problema é que o ódio, que antes estava restrito a um grupo no palaciano, nesse ‘novo tempo’ tornou-se a expressão oficial não só do palácio, como das ruas, na boca dos que, consciente ou inconscientemente, propagam medidas odiosas para acabar com o ódio.

Quanto a Rousseau. Você está falando daquele que escreveu um manual de educação, mas entregou a orfanatos os filhos que teve? Já não temos bastante disso? Por acaso ignora que o conceito de contrato social acabou na vontade geral, de Rousseau, um conceito tão vago como o de fake news e desinformação, que justificou aos revolucionários franceses, massacrar 40 mil prisioneiros políticos, que se colocavam contra a vontade geral, ao longo de 10 anos de combate ao regime orientado por uma igreja inquisitorial, que executou em torno de 2 mil em 200 anos?

Quem sabe a gente não repete o massacre das 16 carmelitas de Compiègne, guilhotinadas em 17 de julho de 1794, por quererem continuar sendo… freiras, só que dessa vez não teremos o seu coro angelical, cantando veni creator spiritus, enquanto iam sendo decapitadas uma a uma, pois o latim não agrada mais e os anjos estão fora de moda? Será direto e seco como as decapitações do ISIS. A Revolução Francesa e seus pensadores são muito mais do que o que consta no Ensino Básico… sem os professores doutrinadores.

De fato não podemos concordar que empresários estrangeiros desobedeçam injustamente as nossas autoridades judiciárias, mas, embora não seja formado em direito, sou cria de uma boa escola, logo culto o bastante para saber o sentido trânsito em julgado e amplo direito de defesa, previstos na Constituição, e por isso não posso concordar que um juiz tente cooptar cúmplices estrangeiros, para fazer cumprir as suas determinações ilegais, por não observarem o disposto na Constituição, com o agravante serem secretas e só atingirem membros de uma determinada corrente política.

No mais essa questão marcha para um amplo entendimento, afinal Musk é muito chegado a Trump, e Trump adoraria ter um parceiro do porte do Brasil, no seu objetivo de salvar Putin da derrota e ajuda-lo no massacre do povo ucraniano (como o faz Lula, que é antifascista!) e até no restabelecimento da ordem internacional vigente no final do século XIX, quando o mundo foi dividido em áreas de influência, e consagrou-se a partilha da África e de vasta regiões na Ásia e Oceania.

Por fim percebo que o Sr. de Godoy não entende nada de fascismo, acho ele não teve a sorte que eu tive de estudar na velha escola, entendo-o e perdoo-o, senão vejamos: o Sr. Marçal prega o obediência incondicional a um líder ou a ele? Faz a sua campanha baseada no culto de uma personalidade apontada como o salvador da pátria (há um partido ‘antifascista’ que faz isso)? prega a superioridade da raça ou da cultura brasileira em detrimento das outras? Tem fixação por épocas históricas pretéritas, apontadas como modelo para a atual? Quer o aumento da participação do estado na economia e o controle, por ele, das empresas privadas em função de políticas de governo, à revelia dos objetivos nacionais (idem)? Ele pede o controle da imprensa e dos meios de comunicação para que vingue apenas as ideias de uma determinada vertente política (idem)? Etc.

Isso tudo é um desastre! Tanto a cadeirada como os artigos de opinião que defendem essa imoralidade. Foi uma coisa pública, na frente de jovens e crianças, que talvez assistiam àquilo, até por insistência dos pais, se nós tivéssemos a menor ideia do que é educação e, muito mais ainda, do que é pátria educadora, os dois deveriam ser presos por corrupção de menores – sou a favor que os crimes cometidos em via pública tenham um agravante, justamente por isso, porque ele pode ser vistos por um jovem ou uma criança e levá-las à descrença das instituições que sustentam a democracia.

Como isso não é possível no momento, o melhor é torcer para que um dia tenhamos uma justiça eleitoral independente o bastante para punir gestos como esse, com a cassação da candidatura ou a proibição de participação em outros debates, pois paulistanos e paulistas merecem respeito. Por enquanto vai ficar como na escola pública, o aluno manda o professor para aquele lugar, xinga sua mãe, agride-o fisicamente, e no dia seguinte está lá de novo como se nada tivesse acontecido.

O Sr de Godoy, na sua audácia, não se contém nem diante da Bíblia, e evocando o Apocalipse, do Apóstolo João, dá um duplo mortal sobre um trecho, e o usa para justificar a tese de que Marçal recebeu o que merecia ou pediu – aliás quando Jesus voltar, no Apocalipse de verdade, não terá muito trabalho com o julgamento, pois todos se terão julgado mutuamente, mas será preciso construir um puxadão no inferno, para evitar superlotação, como em nossos presídios – porém, lamento informar, que existe um Sermão do Monte, que é autoexplicativo e prega justo o contrário, sem falar que em caso de dúvida Jesus Cristo tem muito mais patente que João.

Ah, se pátria educadora fosse um programa sério de mudança de paradigma educacional, que efetivasse justamente isso: todos preocupados com a educação e em dar bons exemplos a jovens e crianças em todos os rincões do país, e não apenas um nome pomposo, um título de fachada e um golpe de marketing para prestigiar um educador que combina com algumas ideias políticas particulares, que sempre fracassaram onde foram aplicadas! Um mestre, que de tanto ensinar não teve tempo de aprender…

Enquanto, em nosso país, as mãos e as cadeiras falarem pela boca e a língua, não poderemos sonhar com melhoras em exames internacionais, mas podemos antecipar o nosso futuro, voltando para as cavernas para discutirmos ao pé da fogueira, se as árvores e os animais, as pedras, etc. têm vida conscientes, e que podem, se quiserem, nos fazer bem ou mal, e se, para acalmá-las ou satisfazê-las, não precisaremos fazer um sacrifício humano, contanto que seja de alguém que pense diferente. Tudo em paz e sem nenhuma cadeira por perto.

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Eduardo Simões, professor aposentado

 

 

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