O vaza toga – justiça ou justiçamento?

Bady Curi Neto

A população ficou perplexa com as mensagens (vazadas) trocadas pelo ministro Alexandre de Moraes e integrantes de seus gabinetes no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral, quando presidente deste sodalício. A fonte das mensagens não foi identificada, nem sequer há certeza se foram obtidas por hackers ou vazadas por algum interlocutor, contudo, relevante ressaltar que o conteúdo dos áudios e escritos não foi objeto de contestação, pelo contrário, o STF confirmou o teor das conversas.

Embora as requisições de informações e pareceres não tenham sido realizadas de forma oficial, o que exigiria a expedição de ofício requisitório, não se pode alegar que tal equívoco, per si, resultaria na nulidade dos processos presididos pelo ministro, que, a respeito das mensagens, manifestou que “seria esquizofrênico eu, como presidente do TSE, me auto oficiar. Até porque, como presidente do TSE, no exercício do poder de polícia, eu tinha o poder, pela lei, de determinar a feitura dos relatórios.”

O Ex-ministro do STF, Marco Aurélio Mello, tem opinião diversa. Entende sua excelência e firma em entrevista ao UOL que a forma de trocas de mensagens entre Moraes, que conduzia um processo/inquérito no STF, e seus assessores do TSE no intuito de requisitar dados e documentos é irregular. Disse o ministro Marco Aurélio: “Acho irregular. A forma de um órgão se dirigir a outro é a forma de ofício, documentada, que fica sujeita a constatação.”

Marco Aurélio, constitucionalista de escol, foi além ao dizer que “o Judiciário é um órgão inerte, que depende de provocação de quem de direito para determinar providencias e ao fim julgar a causa, julgar o processo. Fora disto é a confusão, é a babel.”

Vejo com razão, em parte, as falas do eminente ex-ministro Marco Aurélio. Digo em parte porque não é toda conversa entre um magistrado e seus assessores que há de ser precedida de um ofício ou de maiores formalidades, porém o que torna preocupante são os materiais requisitados, a seletividade e a concentração de poderes.

Temos como exemplo o áudio enviado por Airton Vieira (assessor de Moraes no STF) a Eduardo Taglaferro (perito do TSE): “Boa noite Eduardo, tudo bem? Seguinte, conversando com a Cristina, ela pediu que a partir desse relatório e desse em diante, onde você coloca ‘Supremo Tribunal Federal’, coloque, por favor, ‘Tribunal Superior Eleitoral’. O número do processo nunca ficar em aberto. Colocar, no caso desse e dos próximos, a não ser que tenha alguma outra contraindicação, o 4781. E colocar como de ordem do doutor Marco Antônio. Porque atualmente o ministro passa por uma fase difícil e qualquer detalhe, qualquer peninha, pode virar amanhã ou depois mais um objeto de dor de cabeça pra ele. Então, ficaria para todos os fins que é de ordem do doutor Marco, que ele manda enviar para a gente e aí tudo bem. Ninguém vai poder questionar nada etc., ou falar ‘de onde surgiu isso?’, “caiu do céu?’, ‘a pedido de quem?’ etc. E colocar em cima, repito, ‘Tribunal Superior Eleitoral’, e como nesse processo que você já mandou, 4781, de ordem do doutor Marco Antônio Martin Vargas, e o cargo dele no TSE.”

Ora, no mínimo causa estranheza um ministro do STF pedir para algum relatório ser colocado em nome de outra pessoa para não deixar transparecer que ele estava requisitando informação.

Deltan Dallagnol foi mais incisivo, ao comentar os vazamentos, em suas redes sociais: “As mensagens vazadas de Alexandre de Moraes comprovam as suspeitas, que existiam desde 2019, de que o ministro atua como investigador, procurador e juiz, usando a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE como ‘laranja’ para encomendar relatórios sobre o que gostaria de decidir, em que a iniciativa do ministro era ocultada ou disfarçada, o que pode caracterizar falsidade ideológica”.

O professor e criminalista Eugênio Pacelli (reportagem na Gazeta do Povo) firmou que a ilegalidade no procedimento revelado nas mensagens não estaria no exercício do poder de polícia pelo TSE, mas na encomenda de relatórios direcionados, supostamente por parte de Moraes por meio de seu juiz instrutor no STF, para alimentar o inquérito das fake news. “O que se destaca, em princípio, é o papel de investigação atribuído a ele [Moraes]. Apesar de ser o relator do IPL [inquérito policial], não cabe a ele [ministro] o papel de iniciativa investigatória”. (www.gazetadopovo.com.br/republica/mensagens-de-auxiliares-de-moraes-revelam-desvios-que-justificam-impeachment-segundo-juristas)

Segundo o jornal A Folha, reproduzido no site da Gazeta do Povo, o assessor de Moraes no STF enviou mensagem para o perito criminal do TSE com os seguintes dizeres: “Ele quer pegar o Eduardo Bolsonaro. A ligação do gringo (Fernando Cerimedo – marqueteiro Argentino) com Eduardo Bolsonaro.”

Como dito, não se trata de conversas de assessores, mas do teor da conversa. Ao que tudo indica a equidistância e a imparcialidade imposta ao magistrado que conduz um inquérito criminal passou ao largo, deixando transparecer um processo inquisitorial, no qual o Juiz faz o papel de investigador e acusador, produzindo as provas que lhe interessam, para depois julgar ou tomar medidas acautelatórias a seu próprio alvitre.

Pela reportagem do jornal Folha de S. Paulo, as mensagens obtidas revelaram que o órgão de combate à desinformação do TSE fora utilizado para investigar e abastecer inquéritos sob a responsabilidade do ministro Moraes, às vezes com assuntos estranhos a eleição, em um verdadeiro Fishing expedition (procura especulativa, no ambiente físico ou digital, sem “causa provável”, alvo definido, finalidade tangível ou para além dos limites autorizados (desvio de finalidade), de elementos capazes de atribuir responsabilidade penal a alguém.)

A sede de condenar leva ao justiçamento e não a almejada justiça! Tenho dito!!!

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Bady Curi Neto, advogado fundador do Escritório Bady Curi Advocacia Empresarial e professor universitário

 

 

 

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