A desconstrução do mundo 

João Filipe da Mata 

 

Quando saí do Brasil para morar no exterior, eu sabia que muita coisa iria mudar: mais uma língua, outros costumes, novas paisagens. Em resumo, muita novidade pela frente – e era exatamente o que eu queria. Eu só não sabia que a maior mudança  aconteceria dentro de mim.

Em Xangai, eu, que sempre fui considerado baixo, passei a ter estatura mediana e a comprar roupas tamanho M. Em Abu Dhabi, o trabalho acontecia de domingo a quinta-feira – a sexta, dedicada à oração, parecia domingo; o sábado, com ruas cheias, tinha cara de sábado, mas encerrava a semana. Em Roma, o sonho infantil de comer pizza todos os dias se tornou realidade, e foi radicalmente abandonado antes que virasse pesadelo – até pizza enjoa.

Cada uma dessas pequenas novidades contribuiu para abalar os alicerces de tudo que, para mim, parecia muito bem definido: quem, quando e por quê –  quem eu era, o que era o tempo ao meu redor, e quais eram os meus desejos.

Ao longo dos 12 anos em que morei no exterior, quase tudo foi desconstruído, e várias vezes. Sem que eu pudesse evitar, certezas foram substituídas por dúvidas, que se resolveram em outras dúvidas e, por vezes, em um vazio incômodo, até serem finalmente substituídas por novas certezas. Mais ou menos como acontece quando vemos um documentário, interagimos com alguém mais questionador ou lemos um bom livro.

Doeu? Um pouco, mas trouxe crescimento. As nossas certezas, aprendi, são provisórias. Queiramos ou não, eu e o mundo estamos sempre em construção.

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João Filipe da Mata, escritor e vice-cônsul em Sydney, Austrália

 

 

 

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