A Constituição e o meio ambiente

Almir Pazzianotto Pinto

 

Dizem os adversários políticos que, às vésperas do golpe de 10/11/1937, o presidente Getúlio Vargas teria falado: “A Constituição é como as virgens; foi feita para ser violada”.

Se não o disse sobre a Constituição de 1937, poderia dizê-lo em relação à Constituição de 1988, feita e promulgada para ser seguidamente violada.

Pretensioso e prolixo, o texto original da Constituição Cidadã – como a apelidou o dr. Ulysses Guimarães – ao longo de décadas tem sido alvo fácil de intermináveis emendas. Não bastasse, conserva o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que se de fato o fossem, já teriam cumprido o papel passageiro que lhe indicou a Assembleia Constituinte, para em seguida desaparecer.

Devo me ater ao Capítulo VI do Título VIII – Da Ordem Social que trata da proteção ao Meio Ambiente. Prescreve o Art. 225: “Todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

A Constituição incumbe o Ministério Público da defesa do meio ambiente, tarefa para a qual dispõe de instrumentos jurídicos eficazes, como a ação penal pública, o inquérito civil e ação civil pública, conforme a redação do Art. 129.

Intermináveis violências contra o meio ambiente estão à vista de todos. Basta se interessar pelo assunto e olhar. Em São Paulo, aqui e acolá sobrevivem reduzidos trechos de vegetação natural, resquícios da Mata Atlântica, da qual sobrevive insignificante porcentagem da extensão original. A voracidade das construtoras é insaciável. Casas e casarões, antigos e ajardinados, estão entre os objetos de maior interesse. Comparece-se a Av. Paulista, a Rebouças, a Nove de Julho, a Cidade Jardim, Campos Elíseos, o Centro Velho, com o que foram alguns anos passados.

Dois símbolos de São Paulo são o Rio Tietê e o Rio Pinheiros. Antigos córregos foram canalizados para abertura de avenidas.  Na grande São Paulo e municípios vizinhos, do Tietê nada resta senão poluído lençol de água sem vida. Há décadas ouvem-se promessas da recuperação do lendário rio e do Pinheiros. Bilhões devem ter sido gastos, com os pífios resultados que conhecemos.

Notícia publicada em A Tribuna Piracicabana (ed. de 17/7) denuncia o derrame de vinhoto no Ribeirão Tijuco Preto, afluente do Rio Piracicaba. Vinhoto, também conhecido como restilo, é o resíduo final do processo de fabricação de açúcar. Se não for cuidadosamente descartado, poluirá córregos e rios, provocando a morte de milhares de peixes por falta de oxigênio.

Natural de Capivari, onde me criei, assisti repetidas vezes a mortandade provocada pelo despejo de vinhoto em épocas de safra, por usinas açucareiras da região. Antes piscosos, o Ribeirão do Carmo e o Rio Capivari estão reduzidos a pequenos e escuros cursos de água. Onde no passado era possível nadar e pescar lambaris, piabas, bagres, encontrar cascudos e curimbatás, hoje só se produzem pernilongos.

Os cuidados com o meio ambiente, garantidos pela Constituição, devem estar sobretudo na consciência dos cidadãos, como instrumentos de proteção do futuro da humanidade. De nada valem textos constitucionais e legais quando as pessoas às quais se dirigem são insensíveis e irresponsáveis.

Por ação ou omissão alguém deu causa ao derramamento de vinhoto no Ribeirão Tijuco Preto, que se estendeu ao Rio Piracicaba. Se não se apresentar, para assumir a responsabilidade que lhe cabe, ao Ministério Público do Estado compete a apuração da autoria. Agressões à mãe natureza não devem ficar impunes, para não servirem como maus exemplos.

 

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Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi Ministro do Trabalho (1985-1988) e presidente do Tribunal Superior do Trabalho – TST – (1988-2002)

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