Escoadouro de veneno

Camilo Irineu Quartarollo

 

O domingueiro que passeava à beira do Rio Piracicaba sentiu o nariz e os olhos arderem. Ao olharmos víamos peixes se debatendo por algum tempo e levados inertes pela correnteza ao encalhe do cardume morto nas águas contaminadas do rio. Algumas linhagens de peixes não se verão mais, esquecidos num remanso sombrio ou às margens. Não desovarão na Piracema. Contemplávamos contritos as águas densas pelos milhares de corpos se amontoando, sem sabermos qual indústria cometeu esse crime?

Em casa, nossas torneiras e reservatórios ainda fediam a veneno, cheiro estranho mas não era cloro. Beber água, somente de garrafinhas, as quais pobres periféricos não podem comprar.

Houve uma grande descarga de poluente a partir do Ribeirão Tijuco Preto, numa extensão de 42 quilômetros. A Cetesb identificou o despejo como resíduo industrial da Usina São José Açúcar e Álcool, localizada em Rio das Pedras-SP.

O serviço de tratamento de água municipal detectou o líquido impróprio às quatro horas da manhã do domingo. Depois, às seis horas com piora significativa da potabilidade, mas as águas já vazavam continuamente para a rede e reservatórios. É caso de se interromper o fornecimento para o consumo humano!

Os ribeirinhos são multados ao pescarem para comer, já os grandes poluidores não ligam para multinhas. Os pescadores denunciam que não foi a primeira das muitas vezes da descarga de poluentes no rio, mas essa foi uma das maiores em dez anos! Muitas reincidências de um crime naturalizado.

A série de grandes mortandades de cardumes boiando vem desde 2014 e, com o crescimento da produção industrial, o volume tende a aumentar nessa vala comum dos paiaguás. Estão fazendo do rio um refém de subprodutos. Assim, donde se via a pureza jorrar como o famoso véu da Noiva da Colina vemos um trapo empalidecido de rendas.

Um escoadouro de restilo venenoso e detritos fétidos. Espero não ficarmos à brumadinhos. Em vez de desovar em nosso rio, que reciclem! Que a poluidora invista em estações para recuperar resíduos seus ou os tornarem em adubos e subprodutos. Poderão inclusive lucrar a médio prazo. Poderão fazer o adubo para os seus próprios canaviais, do qual o Brasil ainda não é autossuficiente. Há tecnologias e pesquisas, às quais as empresas devem se adequar, e que haja prazo e fiscalização.

Até o esgoto doméstico do município piracicabano é tratado, por que não esses poluentes?! Que não venham pedir “compreensões” do povo! Reciclem.

Não são aceitáveis desculpas ou contemporizações ao poluidor como “o despejo foi lá no afluente do rio”, “não foram dez toneladas de peixes mortos, foram somente três”, “só 10% dessa água é para o fornecimento”.

Gente, a previsão para recuperação da fauna aquática é de nove anos. Dias depois, populares, mesmo com lágrimas nos olhos, se juntaram em mutirão para limpar o rio. Que essa luta pelo rio não pare.

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor, ensaísta, cronista, editor de livros digitais e físicos, e autor do livro Contos inacreditáveis da Vida adulta

 

 

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