Retratando os retratistas

Edson Rontani Júnior

 

Dias destes passei horas – deliciosas horas – catalogando fotografias em papel. “Retratos” doados por famílias, empresas, entidades. Muitas me fizeram recordar do passado como o acervo doado pelo Marcelo Batuíra, diretor deste matutino, resgatando a memória dos anos 70, 80, 90… Grande maioria está passando por catalogação e digitalização para posterior compartilhamento nos meios digitais do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba.

Outro acervo que chamou minha atenção foi uma sequência de fotos dos anos 80 de autoria de Diógenes Banzatto, que trabalhou no extinto “O Diário”. São registros de nossa Piracicaba, em especial a enchente de 1983, ainda hoje lembrada como uma das mais temíveis para o comércio e moradores da rua do Porto e adjacências. Não por coincidência, uma destas fotografias, que media o equivalente a meia folha de sulfite, na condição preto e branca como era comum na época, mostra uma casa tomada pela água até seu forro. Um telhado ainda não submerso e um cão. Sim! Um cão no telhado. Logo me veio à memória o cavalo que também ficou num telhado no sul do país na recente cheia que atingiu o Rio Grande do Sul.

O que demonstra isso? A história se repete. Um eterno repetir. E o que mais? Não aprendemos nada com esta repetição. Caímos nos mesmos erros do passado. Fácil é colocar o dedo no nariz dos outros. Mas, Banzatto teve a sensibilidade de registrar aquele momento, talvez a bordo de um barco, mas o registro é ímpar e, 40 anos atrás se assemelha aquilo que hoje ganhou destaque nos noticiários internacionais.

Este é o papel do fotógrafo profissional. Ter a vista aguçada para aquilo que deve e pode interessar às grandes massas. Hoje, maioria tem uma câmera na mão, acoplada ao smartphone. Mas poucos sabem utilizá-la. Não usá-la com filtros de aplicativos ou sobrepondo emojis, mas tendo foco no interesse.

A fotografia está completando 200 anos de criação em breve. A data de 1826 é o marco da criação (ou primeiro registro histórico) feita pelo francês Joseph Nicéphore Niépce. Foi ele quem conseguiu fixar com produtos químicos uma cena num papel fotográfico. Outros tentaram. Conseguiram meio intento. Revelavam a foto, mas ela não se fixava no vidro, no chumbo, no papel… Foi uma criação coletiva. Depois movimentou indústrias desde fábricas de máquinas, filmes, ou dos “retratos” em estantes, álbuns de casamento ou de aniversário. Memórias registradas para a posteridade.

Aí me socorro do saudoso Samuel Pfromm Neto em seu “Dicionário de Piracicabanos”, meu livro de cabeceira, para conhecer um pouco mais destes retratistas locais. Aqui nestas páginas já falamos de João Cozzo, o “nosso Marc Ferrez”. Este último, descendente francês que na época do Império registrou cenas de norte a sul do país, passando inclusive por Piracicaba fotografando nosso salto. Cozzo fez o mesmo em nossa cidade. É autor das principais imagens registradas em nossa história do início do século passado. Mostrou o meio-ambiente nas margens do rio Piracicaba assim como registrou o urbanismo crescente com o desenvolvimento populacional.

Tivemos também a família Bischof que até os anos 1980 manteve loja no Centro com produtos fotográficos e revelações. José, Isabel, Rodolfo, Oswaldo, Oscar, Frida, Leonor e Elza formavam sua família, no amor pelos registros fotográficos. Administravam loja de produtos elétricos além de ateliê fotográfico. Representações comerciais tivemos com os Fuji, Outsubo, Cantarelli, Caprecci, Filetti e outros. Foi mais uma segmentação do comércio levada ao ostracismo pela evolução do computador… dos celulares…

Jornais do passado nos apresentam curiosidades como uma loja especializada em brinquedos para crianças. Publicidades destes matutinos ancestrais, lá por volta de 1894, são estampadas anunciando que a Fotografia Pompe, que atendia num sobrado onde hoje é a rua Moraes Barros, vendia produtos para datas religiosas como Natal e dia de Reis, além de fotos, claro.

Registradores de fatos em fotos de papel dos anos 80 e 90 ainda povoam Piracicaba, em longevas amizades. Perdemos o citado Banzatto, assim como Henrique Spavieri. Mas ainda nos encontramos nas ruas com Pauléo Tibério, Davi Negri, Marcelo Germano, Alessandro Mascchio, Matheus Medeiros e tantos outros que prosseguem com este ofício bicentenário.

Li, não sei onde, que nossa memória se vai quando nosso retrato é tirado de uma estante. Acaba-se tudo. Finda-se uma vida e uma memória perpetuada atrás de um papel revelado por produtos químicos.

_____

Edson Rontani Júnior, jornalista, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba (IHGP)

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima