Ler, sim, mas como?

Armando Alexandre dos Santos

O grande pré-requisito básico para uma boa leitura, obviamente, é que o texto mereça ser lido. Se o texto não apresenta interesse pessoal para o leitor, jamais será bem lido. Isso porque o grau de atenção que uma pessoa aplica na leitura está sempre, de modo consciente ou subconsciente, relacionado com o interesse que a pessoa tem naquele texto.

A psicologia humana é tal que o mecanismo da atenção está profundamente relacionado com o mecanismo do amor e do ódio. Em outras palavras, presto atenção àquilo que amo ou odeio, que me agrada ou que me desagrada. E sou levado a não me deter, a não prestar atenção, ou a prestar uma atenção mais reduzida, àquilo que me é indiferente.

O mesmo acontece com a memória. A tendência humana é gravar profundamente na memória os fatos bons e os ruins, esquecendo os indiferentes. Guardamos, anos a fio, a lembrança dos bons momentos, dos gestos amáveis e também, infelizmente, dos traumas, das ofensas, das humilhações. E não lembramos de muitas coisas que passaram por nós e não deixaram marca, porque nos foram indiferentes, porque não nos despertaram interesse.

Daí se deduz que, quando devemos ler e compreender um texto, o primeiro requisito é termos bem presentes os motivos que nos levam a dever lê-lo, compreendê-lo e memorizá-lo convenientemente. Sem essa motivação prévia, a leitura é muito prejudicada.

Outro requisito para a boa leitura é que ela seja feita de modo adequado, com calma, com concentração. No momento da leitura, deve-se esquecer tudo o mais. “Age quod ages”, dizia-se antigamente (em tradução livre: procure fazer só o que está fazendo, e nada mais). Música de fundo pode ajudar, mas também pode atrapalhar. Televisão ligada, nem pensar! Falta ou excesso de conforto, também podem ajudar (alguns precisam estudar numa cadeira dura, para não relaxarem demais; outros gostam de poltronas confortáveis, ou até uma rede balançando), mas também podem atrapalhar (com as costas doendo quem consegue ler direito? No embalo da rede, quem resiste a uma agradável soneca?)

É sempre bom ler com lápis na mão, sublinhando e marcando as partes mais importantes. Mas, cuidado! O ato de sublinhar deve ser sempre consciente e decorrente da vontade clara e explícita. Nunca se deve sublinhar maquinalmente.

Anotar ao lado, ou em folha à parte, também ajuda. Copiar, em um caderno de apontamentos, ou mais modernamente em um arquivo do seu computador, as passagens mais interessantes, também é muito bom. Ainda conservo alguns cadernos de apontamentos de quase 50 anos atrás, e de vez em quando ainda me são de grande utilidade.

Ir, ao lado, não apenas anotando, mas também criticando, “discutindo” ou polemizando com o autor do texto, também é útil. Por quê? Porque se ativa o tal mecanismo do amor e do ódio, porque se toma uma atitude pessoal em relação ao texto, favorecendo a memória, como disse acima.

Conheci um velho professor do ITA que costumava marcar o que lia com frases engraçadas. Era um homem mal-humorado mas, ao mesmo tempo, com muito senso sarcástico. Lembro de ter visto um livro que ele leu e marcou. Quando não concordava com alguma coisa, escrevia do lado: “Cretino!”, “Se burrice matasse…”, “Errou de profissão!”, ou algo do gênero. Quando achava algo ridículo, escrevia do lado “Ho! Ho! Ho!” E assim por diante.

É muito bom, também, procurar “entrar dentro da cabeça” do autor, ou seja, procurar compreender os motivos que o levaram a escrever aquilo, daquele jeito e não de outro modo. Procurar variantes, parafrasear, tentar exprimir de modo mais adequado ou, simplesmente, de modo alternativo.

É sempre bom, para memorizar melhor, expor a outra pessoa o que acabamos de ler ou estudar. Quem ensina, aprende duas vezes, diz a sabedoria popular. “Docendo discere” (aprender ensinando), diziam os romanos.

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Aqui deixo alguns conselhos para atuais ou futuros leitores. Que lhes seja de bom proveito.

 

Licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia

Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba.

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