Achados do Arquivo – Câmara enalteceu a defesa de um presidente civil em 1909

Campanha Civilista, de 1909, teve como líder o jurista e candidato a Presidente, Rui Barbosa

Sob impacto da Campanha Civilista, vereadores votaram por enviar representante a convenção que definiria Rui Barbosa na disputa contra o militar Hermes da Fonseca

 

 

“Nunca requestei (pedi) o sufrágio popular senão apoiado em ideias, para a realização de algumas das quais trabalhei até ao triunfo, sem que ainda hoje cessasse de pugnar (lutar) pelas outras” (Rui Barbosa)

 

Logo que o Brasil se tornou uma república, após a proclamação, em 15 de novembro de 1889, o país teve dois presidentes militares, não eleitos pelo voto popular: os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. O ciclo de presidentes eleitos pelo voto direto se iniciou em 1894, com o primeiro presidente civil, Prudente de Moraes.

No final da primeira década do século 20, fazia somente 20 anos que o Brasil era governado por presidentes que eram eleitos a cada quatro anos, e mais uma eleição estava marcada para acontecer em março de 1910. Esse pleito elegeria o sucessor de Afonso Pena, então presidente da República.

No cenário eleitoral da época, dois nomes despontavam como possíveis candidatos à sucessão: o intelectual e senador Rui Barbosa e o militar marechal Hermes da Fonseca. O panorama da disputa começou a ser desenhado ainda em 1909.

Em maio daquele ano, uma convenção de congressistas endossa o nome de Hermes como candidato. Um fato determinante ajudaria a fortalecer o nome do militar: o falecimento do presidente Afonso Pena, em 14 de junho de 1909.

Com a morte do mandatário, assumiu a Presidência o vice, Nilo Peçanha, que era entusiasta da candidatura de Hermes da Fonseca. Assim, o apoio do novo presidente dava musculatura à candidatura do marechal. Junto a esse novo apoio, a simpatia pelo nome de Hermes ganhava tração também nas Forças Armadas, que se animavam com a possível volta de um militar à Presidência após quinze anos.

O fortalecimento de um nome ligado às armadas gerou um movimento em sentido contrário. Entre o fim de junho e o início de julho de 1909, ganhava corpo um movimento de resistência à possibilidade de o país voltar a ser governado por alguém diretamente ligado à caserna, que trazia à lembrança os conturbados tempos de autoritarismo dos governos de Deodoro e Floriano.

Esse movimento recebeu o nome de “Campanha Civilista” e foi encabeçado por Rui Barbosa, que optou por uma inovação. Pela primeira vez, um candidato à Presidência fez uma campanha em que percorreu vários pontos do país. Organizada por ele, essa campanha se caracterizou pela relação próxima com a população e por marcantes comícios. Por onde andava, Rui era recebido com aplausos e fogos de artifício.

Na série Achados do Arquivo desta semana, o destaque é para as discussões na Câmara de Piracicaba que decidiram por enviar um representante da cidade à convenção do Partido Republicano Paulista (PRP).

Então, a campanha presidencial para a eleição de 1910 girou em torno desses dois perfis: de um lado, o marechal Hermes da Fonseca, herdeiro de uma tradição ligada ao Exército, e, de outro, o jurista Rui Barbosa, com inúmeros serviços no campo do direito, cuja linha de pensamento se pautava pela defesa da ética e do equilíbrio.

O clima dessa disputa e a força da Campanha Civilista tomaram conta do país, atingindo os grandes centros e também cidades do interior, como Piracicaba.

Em meados de 1909, no dia 5 de julho, somente três semanas após a morte do presidente Afonso Pena, a Câmara Municipal realizou sessão ordinária, e nessa sessão, a Casa recebia cartão de agradecimento da família do falecido presidente da República pelas condolências emitidas pela Casa, ao mesmo tempo que se posicionava a respeito do agitado momento político nacional, tendo como fulcro das discussões a Campanha Civilista e a participação de um representante da cidade na convenção nacional do Partido Republicano Paulista, a ser realizada em agosto, e que acabaria por oficializar a candidatura de Rui Barbosa.

A ata da sessão registra que, no Expediente, foi lido e deliberado sobre uma Indicação, apresentada pelos vereadores Fernando Febeliano da Costa, Joaquim Pinto de Almeida, Aquilino José Pacheco e Manoel Ferraz de Camargo, que tratava do assunto, com o seguinte teor:

 

“Estando inteiramente de acordo com o grande movimento nacional contrário a implantação do militarismo, personificado na candidatura presidencial do ilustre marechal Hermes da Fonseca, levantada por uma convenção sem delegações, e que agiu sob a pressão de acontecimentos que constituíam uma verdadeira ameaça à livre escolha nacional.

 

Atendendo a que é uma campanha patriótica e verdadeiramente republicana, aquela que foi iniciada pelo eminente brasileiro Rui Barbosa em prol de uma candidatura civil, com apoio decidido dos estados da Bahia e de São Paulo.

 

Atendendo a que este movimento nacional se funda na escolha livre e genuinamente popular dos candidatos, por meio de uma convenção composta de delegados das municipalidades ou de corporações representativas de forças políticas da nação, convenção essa que já está convocada para reunir-se na capital federal.

 

A Câmara Municipal de Piracicaba, deste Estado de S. Paulo, resolve fazer-se representar na convenção nacional convocada para o dia 22 de agosto próximo futuro, na capital da república, e delega poderes ao Dr. Paulo de Moraes Barros, deputado federal e vereador desta Câmara, para resolver sobre a escolha dos candidatos aos cargos de presidente e vice-presidente da República no futuro quatriênio e agir da melhor forma possível para o bom êxito das candidaturas civis.”

 

Após a leitura da matéria, o vereador Francisco de Almeida Morato discutiu sobre o assunto, declarando:

 

“(…) votar contra, não só porque, no ponto de vista republicano – que não é o do declarante -, não vê por que a próxima convenção de agosto há de expressar melhor o sentimento nacional que a de 22 de maio passado, senão também, e principalmente porque, se a Câmara quisesse interpretar os verdadeiros sentimentos populares, o seu voto deveria ser no sentido de limpar o país do sistema político que o vem sufocando desde 15 de novembro de 1889”.

 

Após a manifestação contrária, e menos polida, do vereador Morato, a Indicação foi aprovada, “expedindo-se ao Dr. Paulo de Moraes cópia da ata para os devidos efeitos”. A maioria dos membros da Câmara de Piracicaba de 1909 compreendeu o sentido das palavras de Rui Barbosa.

Quanto à participação de Paulo de Moraes Barros na convenção nacional de 22 de agosto, não é possível afirmar se ele esteve no evento. Provavelmente sim, eis que era um dos principais líderes do Partido Republicano Paulista em Piracicaba.

A convenção acabou por confirmar o nome de Rui como candidato à Presidência. A Campanha Civilista se estendeu pelos meses seguintes, até a eleição, que aconteceu em 1o de março de 1910, e que acabou por eleger o marechal Hermes da Fonseca para ocupar a Presidência no quatriênio 1910-1914.

A despeito da vitória do adversário, Rui Barbosa mostrou a força que o movimento civilista havia alcançado, pois obteve mais votos que Hermes em importantes capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador.

Rui perdeu a eleição, mas ganhou lugar de destaque na História. Vencendo a barreira do tempo, seu nome se imortalizou como sinônimo de civilidade e de democracia.

Rui com certeza tinha em mente que a Campanha Civilista poderia mudar aquele Brasil do início do século 20. Mas certamente não imaginava que os ideais dessa campanha ainda soariam necessários em períodos futuros, incluindo o século 21.

“Civilismo quer dizer ordem civil, ordem jurídica, a saber: governo da lei, contraposto ao governo do arbítrio, ao governo da força, ao governo da espada” (Rui Barbosa).

Urge lembrar das palavras de Rui.

No Brasil.

Em Piracicaba.

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