Fábrica Boyes e a preservação da memória histórica de Piracicaba

Walter Leandro Guarda

A fábrica Boyes, um legado de um passado áureo no desenvolvimento fabril, foi outrora o motor da economia local de Piracicaba. Hoje, esse patrimônio histórico disputa a atenção devido ao processo de instalação de um mega empreendimento de capital privado. O direito à propriedade é inalienável e garantido por lei, desde que não ofenda a memória histórica ou cause dano ao entorno, porém este empreendimento fere o decreto municipal 10.643. Esse boulevard será composto por uma estrutura gritante com quatro torres de 90 metros cada, às margens do rio Piracicaba, além de infringir uma lei municipal de APP (Área de Preservação Ambiental) e descaracterizar todo o complexo arquitetônico do século XIX, incluindo o palacete, os galpões da Boyes, o engenho e o Museu da Água.

O interesse nessa relação conflituosa é que o grupo responsável pela Boyes propõe uma revitalização do local, fomento da economia e projeto inovador, consentido por uma pequena parcela de empresários e sindicatos locais, embriagados pela especulação imobiliária. Além do descaso histórico evidente, o grupo ainda se coloca como vítima ao solicitar isenção de IPTU e contestar judicialmente o valor venal, sem ao menos cumprir as obrigatoriedades na conservação do local desde sua aquisição em 2007. Certamente, Luiz de Queiroz, verdadeiro empreendedor do século XIX, antenado aos movimentos da Revolução Industrial, pode ter ferido alguns preceitos ambientais e fiscais que não havia regulamentação à época, mas os empresários de hoje ferem a memória ao apagar, com esse projeto, o legado de Queiroz. Um verdadeiro tiro na culatra.

Resta à população local mobilizar-se para salvaguardar a defesa da Fábrica Boyes, pois esse empreendimento pode até trazer retorno financeiro anunciado pela ética neoliberal de uma pequena parcela da elite local. Após a Boyes, o próximo desmonte será o Engenho? Ou a privatização do elevador, Parque do Mirante e Aquário Municipal (projeto já posto em urgência na sessão da Câmara)? Serão entregues à iniciativa privada por manutenção defasada? Com isso, o munícipe, que já paga impostos, não poderá desfrutar desses espaços sem ter que pagar ingresso ao patrão durante a concessão de 25 anos.

Além das políticas públicas fragilizadas, há a concessão a projetos que ferem o patrimônio e a história da cidade. Atualmente, o caipira já não se reconhece em sua terra, onde a elite instalada descaracteriza e subalterniza sua figura e seu território. De acordo com o CEO do empreendimento, haverá moradias de diversas faixas dentro do espectro social (de alto padrão). Como dizia Geraldo Vandré: “Tá vendo aquele edifício, seu moço? Eu ajudei a construir”, mas sou impedido de frequentar ou mesmo morar.

A Fábrica Boyes é mais do que um monumento de tijolos e argamassa; é um símbolo da identidade piracicabana. Sua destruição ou descaracterização é uma afronta à memória coletiva e um passo em direção à perda irreparável de nossa história. Que possamos, como sociedade, encontrar um equilíbrio entre progresso e preservação, garantindo que nosso passado não seja sacrificado em nome de um futuro insustentável e excludente.

 

Walter Leandro Guarda, estudante de História da Unisa e servidor público.

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