Adelino Francisco de Oliveira
No ambiente histórico de Jesus, no contexto do antigo Israel, em torno das representações do Templo de Jerusalém, havia uma pulsante expectativa messiânica. A espera pelo messias imprimia, entre os judeus, uma dinâmica de profunda esperança, mas também de conflito e de aberto debate acerca de concepções religiosas e políticas. A história registra uma gama de personagens que se apresentavam como o Cristo, o ungido de Deus. Era bem difícil separar o joio do trigo.
Lideranças políticas, sob a promessa de se resgatar Israel, buscavam ser identificadas como o messias, para disputar espaços de poder na hierarquia social. Falsos profetas despontavam, anunciando um tempo de ódio, segregação e violência. Bandidos passavam a atuar como renovadores da sociedade. Neste ambiente confuso, era comum se cometerem equívocos, trocando o messias pelo bandido. A passagem mais notória talvez tenha sido quando o povo se decidiu por libertar Barrabás, relegando e condenando o verdadeiro Messias, o Príncipe do amor e da paz.
Talvez em decorrência de tantas decepções e mazelas sociais, o contemporâneo, de certa forma, também é marcado por uma expectativa messiânica. Tornou-se cada vez mais comum, no cenário político, bandidos se apresentarem travestidos de messias ou profetas. Hoje, como nos tempos de Jesus, é preciso saber distinguir a videira, com seus bons frutos, da figueira estéril, que deve ser cortada e lançada ao fogo, pois da árvore má não se deve esperar nada de bom. Mas neste tema, o povo continua não conseguindo discernir, sendo levado a equívocos.
A boca fala aquilo que já transborda no coração, ensina Jesus, com sabedoria. Esse pode ser um critério para se identificar e separar os ardilosos bandidos – lobos em vestes de cordeiros – dos profetas e messias. Talvez duas narrativas bíblicas, colocadas em paralelo com dois eventos do contemporâneo, possam trazer alguma luz para a crise político-religiosa que assola e cinde a sociedade.
De um lado situa-se o relato da festa de aniversário de Herodes, com danças sensuais, flertes com o incesto, bebidas em excesso, comensais extasiados e conchavos pelo poder. O resultado último desse banquete da morte é o assassinato do profeta João Batista. De outro lado, desponta Jesus no meio das multidões, proferindo que os pobres são os bem-aventurados. Na composição do banquete da vida, o direito ao alimento evidencia a dignidade do humano, em uma economia pautada na partilha e na comunhão.
Em paralelo, destacam-se dois acontecimentos da conjuntura política. De um lado, o programa neofascista, em uma profecia macabra, anunciando a distopia da liberação das armas, da devastação ambiental, do racismo e preconceito escancarados, da negação das pautas das minorias, da utilização dos agrotóxicos, em uma realidade de fome e desemprego. É o cortejo fúnebre de um projeto de morte.
Sempre houve, na história, bandidos querendo se passar por profetas ou até mesmo messias. Mas é preciso observar e discernir com atenção os sinais, que aparecem em forma de palavras, ações e obras. Escolhas equivocadas acontecem, mas é sempre possível se recomeçar e reconstruir os laços de fraternidade, para que a sociedade possa ser reflexo daquele banquete da vida, onde todos tenham direito ao pão da educação, da saúde, do meio ambiente preservado, do trabalho, da moradia, da dignidade.
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Adelino Francisco de Oliveira, Professor no Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba, Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião; email: