Cartoneros

Camilo Irineu Quartarollo

 

Na grande editora, o livro tem editor, revisor, iconógrafo, designer, ilustrador, capista, diagramador, impressor e cheiro de novo. O livro cartonero, porém, diz mais que obras em série, são únicos, moldados individualmente pelas mãos de algum autor ou autora que não pisaram as academias, fora dos círculos ilustres. Conhece algum(a)?! Muitas obras artesanais rendem cinco ou dez livros a cada lote, feitos um a um, e depois tem-se de catar mais papelão e histórias, longe das máquinas frias e seriais de uma grande editora gráfica. É a história dos pequenos escritores/leitores.

O livro cartonero surgiu na Argentina, no início deste século, em meio à crise econômica, na qual a literatura subsistiu. Os “hermanos” partiram para a edição do livro próprio e reuniram-se escritores anônimos nessa linha artesanal de pouquíssimas tiragens, com o papelão reutilizado, sem vínculo ou pretensões dos “best-sellers”. Nesse livro há ênfase ao fato cotidiano, dos invisíveis entre os papelões, os quais escapam à percepção do FMI que vive de juros e impõe padrões econômicos e bancários, como ora vemos na Argentina.

Ressurge a literatura mediante textos próprios ou preferidos da mão catadora, cedidos ou de Direito público dos nossos poetinhas. Dando forma à capa, com o guache ou o lápis de cor, colando o título, imprimindo o miolo em impressoras coletivas e juntando as páginas em ordem para pôr o laço colorido ao meio. O fato de reciclar os papelões aproveitáveis para capas traz uma garimpagem do mundo esquecido ou de temas deixados à ribalta.

Os cartoneros têm faro pela infinidade de histórias comuns e publicam aos poucos a quem possa perceber no aonde e no quando nossa alma viaja. Vale pisar uma horta verde, rever o jardim do regozijo, afundar os pés na umidade do mangue, ir a um fim de mundo qualquer, pois as pessoas não moram nas televisões, na net, no celular, mas estão nas páginas recicláveis de um mundo que precisa esse mesmo se reciclar. Há escritores pobres que saem de seus torrões quase como hippies e vêm com a sacola de alça à feira dos cartoneros, de almas livres e despretensiosas. Entretanto, esse projeto ultrapassou as fronteiras do continente da América pobre chegando a países como Espanha, Suécia, Alemanha e Moçambique e em Piracicaba-SP, na Casa do Povoador, onde tivemos em maio deste ano, a 1ª Feira Brasileira da Editora Cartonera, realizada pela Editora Catapoesia, da Associação Cultural Arte e do Ponto de Cultura Garapa, reunindo autores, com rodas de conversa, oficinas, exposição e feirinha, vídeos e entretenimento. Presentes as Editoras Catapoesia (MG e SP), Candeeiro Cartonera (PE), Voz Cartonera (PR), Dulcinéia Catadora (SP), Kapivara Kartonera (PR), YIYI Jambo (MS), Rendeira Cartonera (RJ), Ganesha Cartonera (RJ), Eureka Catronera (BA), Viajeira Cartonera (BA), Butecanis (SC) e Olga Cartonera (Chile).

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor, ensaísta, cronista, editor de livros digitais e físicos, e autor do livro Contos inacreditáveis da Vida adulta

 

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