E daí, vai dar praia?

Camilo Irineu Quartarollo

Pescadores têm sido retirados dos seus territórios de pesca e ganho por conta da presença invasiva e acintosa de mansões luxuosíssimas à beira mar, as quais o projeto de lei quer permitir. Praias são inúmeras no Brasil e, por enquanto, nos garante a Constituição de que são públicas, e dos poetas, dos namoriscos, dos mariscos, das libélulas e mariposas, do coco branco dos dentes, da morenice, das faces rosadas de sol e timidez, dos beijos e amores desta terra, das dores, dos catadores de mariscos e caranguejos, e dos gritos animados dos vendedores de água, de sucos e espetinhos, de se espiar a Lua entre coqueiros e nuvens, eppur si muove…

Os projetos “ressuscitados” vêm como urgentes e são tocados de forma rápida, sem discussões, a toque de caixa, assim passa pelo povo desapercebido com os feriados, devoções de um Corpus Christie e babau, deu ruim, acaba passando o projeto como uma pelada de areia. Se os políticos conseguirem saltar essa onda popular votam o que querem, a qualquer hora.

No Senado, ressurge o PL 03/2022, que já veio de chapéu alheio para proibir farofeiros, descamisados, pescadores, marisqueiros, vendedores de água, sucos, espetinhos e tudo o que eu enumerei até poeticamente no primeiro tópico. Enfim, dar as bordas praianas a quem tem muita grana, que não são aos do povão, entretanto, seriam aos chamados Resorts, hotéis luxuosos, privativo deles, longe da gente que passa com nosso ‘fedô de praia”, se passasse, não passa.

Esse empenho legalizante do Senado transparece num projeto arquitetônico da incorporadora Due, no valor de R$7,5bilhões, para construções de 28 imóveis de alto padrão nas praias pernambucanas desde o Porto de Galinhas, Ipojuca, Praia de Carneiros até as praias de Alagoas de Maragogi, Antunes e Japaratinga, cobrindo esses vastos litorais nordestinos. Um dos sócios – disse o Brasil de Fato, é o bilionário Neymar. Esse tipo de empreendimento querem fazer nos demais estados do  país, privatizar o acesso das terras de marinha, negócio de rico onde pobre, se entrar, entra de faxineiro.

É a privatização do acesso pela PEC das praias, proposta pelo deputado Arnaldo Jordy, cuja relatoria está com o senador Flávio Bolsonaro, mas então a representante dos pescadores foi às pressas à inexpressiva Comissão do tema e disse “Essa PEC vai fazer muito mal pra gente, isso tem de ser falado, e, se é algo que vai nos atingir, a gente tinha que ser consultada”.

Talvez pelas eleições próximas para vereadores e prefeitos o projeto em trâmite no Senado dê um tempo – e bom conhecer dos candidatos o que pensam. Se passar a PEC vão construir “legalmente” suas propriedades privativas à beira da orla, enquanto salgam a bunda no mar. A praia será de quem tem grana, bufunfa, não de pobre ou farofeiro deste lindo e triste Brasil.

______

Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor, ensaísta, autor de crônicas, historietas, artigos e livros e do livro Contos inacreditáveis da Vida adulta

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima