“Basta um esbarrão, um espirro, ou uma virada de corpo sem tanto cuidado que ossos se quebram. E cada vez que a fratura acontece, é como se doesse em mim”. A afirmação é de Camila Cristina Araújo de Souza, 41 anos, mulher que largou a profissão de anos e adaptou sua vida para se transformar em cuidadora e conseguir ajudar a filha a enfrentar a Osteogênese imperfeita (doença de Lobstein), também conhecida pelas expressões “ossos de vidro” ou “ossos de cristal”.
Condição rara que pode chegar a afetar uma a cada 20 mil pessoas, a doença transforma simples tarefas do dia em verdadeiras missões para quem convive com ela, dada a fragilidade dos ossos gerada pela deficiência na produção de colágeno pelo organismo.
Moradora de Urupês (SP), Rebeca foi diagnosticada com o tipo 4 da doença pouco antes dos 2 anos de idade, quando em uma tentativa de sentar ela quebrou o fêmur como resultado de um movimento leve de projeção do tronco para a frente.
“Ela demorou para conseguir sentar, mas os médicos achavam que era porque ela havia nascido prematura. Depois dessa primeira fratura inesperada, outras 8 vieram e aí investigamos e chegamos ao diagnóstico”, comenta Camila.
De lá para cá, a criança enfrentou 36 fraturas e passou por três cirurgias. Cada uma delas com a necessidade de viajar com os pais cerca de 300 quilômetros até Campinas, cidade mais próxima do único hospital especializado em atender casos de pessoas com “ossos de vidro”.
E o período mais difícil até hoje, conta Camila, foi depois que Rebeca passou a frequentar a escola, aos 4 anos de idade. “Ela tinha em média uma fratura por mês e, em cada uma, ela perdia mais e mais força muscular e não conseguia mais ir direito para a escola. Até que acabou acamada dos 5 aos 8 anos”, lembra a mãe, contando que a filha depende, hoje, de cadeira de rodas para a locomoção.
Camila, então, resolveu se reinventar para ajudar a filha e, após conversar com autoridades locais de Urupês, resolveu se transformar em cuidadora profissional para passar a frequentar a escola e auxiliar a garota em tarefas básicas para que seu acesso efetivo à educação ocorresse. Há 3 anos, ela atua como cuidadora e, neste ano, passou a integrar o quadro de profissionais da Associação InteirAção, entidade sem fins lucrativos que possui parceria com prefeituras e empresas por todo o Estado de São Paulo.
Na InteirAção, o cuidador escolar, também chamado de profissional de apoio escolar, é capacitado e passa por constantes atualizações sobre noções básicas de primeiros-socorros e outras áreas do conhecimento, com foco em ajudar o estudante a ganhar mais autonomia e a ser inserido, de fato, no contexto escolar, com acesso digno à alimentação, à higiene íntima e bucal e à locomoção no ambiente de aprendizado.
“O cognitivo da minha filha é ótimo, ela só precisava de um apoio muito atento e próximo para conseguir seguir diante das limitações físicas que possui. Hoje, ela está alfabetizada e vai para a escola normalmente”, comenta Camila.
Aos 11 anos, Rebeca estuda no 6º ano do Ensino Fundamental e já faz até planos para o futuro. “Quero muito fazer faculdade de psicologia e trabalhar com crianças”, projeta a garota.
Maternidade atípica – Assim como Camila, milhares de mulheres são pilares na criação dos filhos com doenças raras, deficiências, transtornos e síndromes. Assunto que merece atenção especial quando adjetivos associados à força e superação, como “heroínas, guerreiras e batalhadoras”, costumam ser ressaltados para descrever a maternidade, em especial no mês de maio, considerado o Mês das Mães.
Um estudo feito com famílias norte-americanas nos últimos anos, contudo, e divulgado no “Journal of Autism and Developmental Disorders” mostra que o nível de estresse em mães de pessoas com autismo assemelha-se ao crônico apresentado por soldados combatentes de guerra.
“A rotina é desafiadora, é preciso ser forte sim, mas não acho que tenho quer ser guerreira o tempo todo. Eu me permito estar cansada e pedir ajuda quando preciso”, observa Camila. “E, ao mesmo tempo, eu sinto que também tenho ganhado, pois me ressignifiquei. Eu era secretária e revisora em uma fábrica de confecções e, hoje, tomei gosto por ser cuidadora e auxiliar outras crianças na escola que precisam também. E essa é uma profissão nobre em que você precisa lidar não só com a cabeça, mas estar de corpo e alma para entender e até sentir o que o aluno precisa e disso eu entendo bem”, finaliza a mãe. Saiba mais: @inteiracao; https://inteiracao.com.br/